Não tem jeito, a arte por si só traz de tempos em tempos elementos diferentes no gosto popular. Com a música não é diferente, cada virada de década traz diferenças significativas e cabe aos artistas ou buscarem um jeito de se adaptar, ou manter o som, correndo o risco de perder fãs. Às vezes os músicos entram nessa e se perdem, outras conseguem manter a identidade e ainda trazer algo novo. Com “Eliminator” foi assim. Por isso, é um álbum controverso. De um lado a reclamação dos fãs por conta de um som mais “comercial”, do outro a explosão de vendas (foram mais de 11 milhões de cópias só nos Estados Unidos). Mas é preciso lembrar que nos anos 80 a música tinha outra pegada. Uma coisa é certa, as músicas do “Eliminator” estão entre as top 10 de qualquer lista do ZZ Top. A banda é formada por Billy F. Gibbons nos vocais e guitarra, Dusty Hill, no baixo e vocais e Frank Beard na bateria.
“Eliminator” foi gravado às margens do rio Mississipi, no Ardent Studios, em 1982. ZZ Top gravou praticamente todos seus álbuns neste estúdio, que também trabalhou com James Taylos, Joe Cocker e outros grandes nomes. O lançamento oficial se deu no dia 23 de março de 1983. Há aqui uma história por trás dos holofotes. O engenheiro de som Linden Hudson diz que trabalhou diretamente com Gibbons por um ano na composição desse álbum. Depois de brigar na justiça, ele conseguiu o direito de uma das músicas, “Thug”. Hudson aproveitou a internet para contar sua história nas redes sociais, afirmando veemente que foi traído pelo vocalista. “Eliminator” é o nome do Ford Coupe personalizado dos anos 30 da ZZ Top, que Gibbons que comprou em 1976, mas só terminou de consertá-lo em 1983.
As primeiras batidas de “Gimme All Your Lovin’” causam um estranhamento diante do que o ZZ Top tinha apresentado até então. Uma bateria mais groovada seguida por uma guitarra que acompanha e dá o tom rock´n´roll. “Nós tínhamos brincado com o sintetizador, e então todo esse equipamento estava aparecendo dos fabricantes. Jogamos a cautela ao vento. Esta foi uma das primeiras faixas que começaram a se desenrolar.”, disse Gibbons em uma entrevista à revista Rolling Stone. No clipe de “Gimme All Your Lovin’”, ZZ Top encarna a fada madrinha versão rock, quando dá a chave do seu XX, com três garotas dentro, para o mocinho do posto, todo engraxado. Praticamente um Cinderello dos anos 80.
“Got Me Under Pressure” é tão ritmada e rápida quanto, mas de uma maneira diferente. Fica até difícil descrever uma música como essa, porque, às vezes, ouvir é bem melhor que falar.
Já “Sharp Dressed Man” mantém o estilo mais rock n roll, e a voz meio rouca de Gibbons dá um charme a mais. Em entrevista à Rolling Stones, o vocalista disse que foi ver um filme e nos créditos um dos músicos estava descrito como Sharp Eyed Man. “Aí começou. A faixa tinha essa linha de baixo pesada de um sintetizador.”, contou. Outra referência, segundo o músico, foi o Depeche Mode, que estava tão em evidência na época que o próprio Gibbons foi ver a banda pessoalmente. “Fui vê-los uma noite, e isso me incomodou. Sem guitarras, sem bateria. Tudo estava vindo das máquinas. Mas eles tinham fios de blues passando por suas coisas.”, disse. E se for ouvir prestando atenção no baixo, ele soa como se “estourasse”, em alguns momentos da gravação. Os fada-madrinhas atacam novamente nesse clipe. O cinderello dessa vez é um recepcionista que sai de uma festa acompanhado de três garotas, assim que ele ganha a tão desejada chave do Ford.
Estranhamente misturando elementos pop com guitarra cantante nos primeiros segundos, “I Need You Tonight” tem uma pegada romântica. Mas ao ver a letra, soa mais como aquele desespero da madrugada. “It’s three o’clock in the morning/and the rain begin to fall/but I know what I’m needin” (São três horas da manhã/e a chuva começam a cair/mas eu sei o que estou precisando). “Your love’s coming to me/ like a wolf howling at the moon” (Seu amor está vindo para mim/como um lobo uivando para a lua). Se receber ela do (da) crush (paquera?) já sabe, nada de se apaixonar. A não ser pelo solo de guitarra que vem lá a partir de dois minutos. Um blues de belíssima qualidade.
“I Got the Six” soa mais do mesmo nesse álbum. Não que seja ruim, os haters que me desculpem, mas essa palavra não existe em “Eliminator”. Se escutar fora do contexto do álbum, ela até que é legal, só que ouvindo tudo junto, sai perdendo. Então, escute esse álbum por ela primeiro, assim, a música terá sua atenção (até começar as outras). Aí vem a parte difícil. “Legs” é um clássico que tem cara, corpo e cheiro dos anos 80. Ao fechar os olhos você se sente naquelas festas clássicas dos filmes. O sintetizador corre solto nessa aqui. E que fique claro que isso em nada tira o mérito da música, e funciona maravilhosamente bem para a proposta. O que quero dizer é que diferente de “Gimme All Your Lovin’”, “Got Me Under Pressure” ou “Sharp Dressed Man”, ela é datada. Só isso. A única crítica real é com o final dela que vai abaixando lentamente, tão devagar que soa estranho, como se eles não soubessem exatamente o que fazer. Dessa vez, ZZ Top ajuda uma moça que sofre de bullying no clipe. O Eliminator chega, as três garotas descoladas descem e se vingam dos bullies. As garotas ajudam ela a dar uma repaginada no visual. O foco é, claro, as pernas. Apesar de todo o sexismo, (que era clássico nos anos 80 e nem vou entrar nesse contexto), esse clipe merece uma estrela. Gibbons, Hill e Beard dão a chave do carro para ela. Uma garota, protagonista, que é salva por outras três, soa mesmo como empoderamento feminino, não é? Só que a lá rock dos anos 80.
Verdade seja dita, Linden Hudson realmente merece todo o crédito por “Thug” porque ela não se parece com as anteriores, sendo a mais experimental do álbum. Primeiro, ela começa com uma distorção, que podia bem ser do Sisters of Mercy ou bandas do gênero. Não que o ZZ Top não pudesse realmente ter composto ela, mas que vai por outra linha totalmente, ah, isso vai. Depois desses quatro minutos na dark psicodelia, “TV Dinners” traz de novo a cara dos trés hombres, de soul e solos de guitarra. Mesmo que tenha um quê de sintetizador (e tem), ela manteve a identidade construída até aqui. “Dirty Dog” é um pouco mais pesada e traz a rouquidão na voz de Gibbons, como em “Sharp Dressed Man”. Ela é bem rock´n´roll no sentido da palavra. “If I Could Only Flag Her Down” é um blues e ponto final. “Bad Girl” é cantada por Dusty Hill, e é uma canção interessante.
É possível compreender porque “Eliminator” fez tanto sucesso. É um disco excelente. Talvez não o melhor álbum do ZZ Top, e nem o mais virtuoso. Mas que merece estar num top 3 da banda, isso merece. Por aqui, a nota é 9,5.
Tracklist:
01. Gimme All Your Lovin’
02. Got Me Under Pressure
03. Sharp Dressed Man
04. I Need You Tonight
05. I Got the Six
06. Legs
07. Thug
08. TV Dinners
09. Dirty Dog
10. If I Could Only Flag Her Down
11. Bad Girl
Formação:
Billy Gibbons – guitarra, vocal
Dusty Hill – baixo, teclados, vocal
Frank Beard – bateria