“Animals”, álbum lançado pelo Pink Floyd em 1977, é um disco atemporal, criado por uma banda que desconstrói definições. A obra sempre me gera a sensação de que parece ser mais conhecida pela capa do que pelas músicas que contém. É redundantemente óbvio que, a essa altura, nada do que foi feito pelo Pink Floyd é essencialmente obscuro ou desconhecido, mas a julgar pelo repertório de dois dos mais conhecidos discos ao vivo lançados pelo grupo, “Delicate Sound of Thunder” e “Pulse”, percebe-se que as músicas deste trabalho foram solenemente relegadas. Talvez isso tenha ocorrido pelo fato de estar intercalada entre um par de álbuns que obtiveram mais apelo: “Wish You Were Here” e “The Wall”, ficando um pouco ofuscada.
Também deve ter pesado o fato de que as canções de “Animals” são bastante longas. Pode-se dizer que o disco tem apenas três músicas, já que “Pigs On the Wing (Part I)” e “Pigs On The Wing (Part II)” assemelham-se mais a vinhetas, já que ambas tem menos de um minuto e meio de duração cada, e estão localizadas nas posições de abertura e encerramento do álbum. A extensão das demais faixas foi provavelmente um dos motivos de sua ausência dos setlists, em detrimento da execução de outros clássicos de seu catálogo.
Com exceção de “Dogs”, composta em parceria com David Gilmour, o álbum foi inteiramente escrito por Roger Waters, e é baseado – não adaptado – no clássico literário “A Revolução dos Bichos”, publicado pelo autor inglês George Orwell, em 1945. Não seria, de qualquer modo, difícil perceber a mão de Gilmour na autoria de “Dogs”. Essa é a música onde ele mais se destaca no trabalho e, com certeza, é um de seus melhores momentos dentro da discografia do grupo, o que, convenhamos, não é uma seleção de fácil definição. Entre seus 17 minutos de duração, o ápice da faixa é o momento, aos 03:40m (e repetido outras vezes no decorrer da mesma), em que a banda para e imediatamente retorna, seguindo o comando da guitarra de Gilmour, em um bend inesquecível. Aquela conhecida expressão que diz que determinado artista, com poucas notas, transmite mais emoção do que outros de execução mais rápida, parece se enquadrar com perfeição na persona do guitarrista. Uma nota ou duas, tocadas por suas mãos, são facilmente identificáveis e suficientes para extasiar o ouvinte de sensibilidade mais apurada.
A mesma configuração verificada na autoria das composições do álbum se replica na divisão das vozes. “Dogs” é, também, a única faixa em que Gilmour canta, dividindo a função com Waters. Pode-se até dizer que foi, a partir de “Animals”, que o baixista começou a centralizar mais, com mão de ferro, o processo criativo do Pink Floyd, pois, nos dois discos anteriores, tanto a autoria quanto as vocalizações eram mais bem distribuídas. Depois de “Animals”, o nome de Waters nos créditos passou a ser mais onipresente.
As duas faixas que se seguem, “Pigs” e “Sheep”, ficam um pouco aquém da exuberância de “Dogs”, mas encaminham bem o disco para sua conclusão, principalmente a segunda, com sua letra onde as ovelhas se rebelam contra os porcos, tergiversando em relação à história contada no livro, e com a bela melodia de sua parte final, que se repete até o fade out.
A turbulência do tema. A turbulência entre os músicos. Poucas bandas conseguem extrair bons frutos de situações assim, mas o Pink Floyd transcede esses conceitos que usamos: banda, Rock Progressivo ou outras categorizações. O Pink Floyd é o onírico de olhos abertos. É o irreal.
Tão irreal quanto porcos que voam…
Formação
David Gilmour – guitarra, vocal
Roger Waters – baixo, vocal
Nick Mason – bateria
Richard Wright – teclado
Músicas
01 – Pigs on the Wing (Part I)
02 – Dogs
03 – Pigs (Three Different Ones)
04 – Sheep
05 – Pigs on the Wing (Part II)
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9/10