“O que aconteceria se…?”. Quem era leitor habitual dos quadrinhos Marvel é íntimo dessa pergunta. Tratava-se de uma série de histórias em que os personagens da editora eram repensados para situações fora de seus contextos padrões.
Bem, esse disco é uma espécie de “O que aconteceria se…?” da vida real. Ele imagina – e concretiza – como soaria o Black Sabbath, como suas músicas seriam, se fossem composições originais do século XIV. A princípio pode se pensar que se trata de uma variação dos discos de covers, ou tributos – seja lá quais foram as distinções – que fizeram tanto sucesso alguns anos atrás, mas aqui as coisas são um pouco diferentes. Para mim, está mais próximo de classificar-se como um disco de intérprete, pois não segue o formato de catadão daqueles outros, onde ou tínhamos vários artistas fazendo músicas de uma mesma banda, ou uma banda fazendo releituras de artistas diversos. O Rondellus, reunião de músicos originária da Estônia, já possuía uma carreira pregressa, com três trabalhos antecedendo a este, todos dentro da seriedade de sua proposta.
A ideia de utilizar as composições da banda inglesa foi do produtor Minkel Raud. Foi ele quem enxergou os pontos de conexão entre as canções do Sabbath e a música medieval. Por baixo da distorção de guitarras, das batidas pesadas, existiam células melódicas que poderiam ser relidas retroativamente e o Rondellus seria o grupo adequado para fazê-lo, pois já possuía experiência nessa área.
A purificação sonora a qual as músicas foram submetidas é outro detalhe de extrema relevância. Não foi, aqui, o caso de pegar canções de Heavy Metal e medievalizá-las através de subgêneros de dentro do próprio Metal, que flertam com essas sonoridades de época. Não, tudo foi executado com réplicas de instrumentos do período, como alaúdes, harpas, saltérios e outros, convertendo as melodias e as escalas para as formas que correspondessem ao estilo de composição arcaico, com o cuidado e requinte de traduzir as letras para o latim e proferi-las através de belos cantos gregorianos.
E beleza é algo que sobra ao longo do álbum. “Sabbatum” é uma obra impecável, onde a maioria das músicas são facilmente reconhecíveis. Ao ouvir o disco inteiro, entendemos o acerto na escolha do Sabbath como mote inspirador. Não me parece que composições de seus contemporâneos mais célebres, como Led Zeppelin ou Deep Purple, tivessem tanto sucesso nessa conversão. Talvez, canções do Uriah Heep pudessem ser também utilizadas com a mesma desenvoltura, mas o Sabbath foi uma aposta certeira.
Canções originalmente mais suaves como “Solitude” e “Planet Caravan” transparecem com resultados acima das demais, mas os destaques vão para “Oculi Filioli” (Junior’s Eyes), pelos toques árabes, condizentes com a influência dessa cultura sobre a Europa, nos séculos pós-Cruzadas, e “Via Gravis” (A Hard Road), por remeter a um clima de mascates itinerantes apresentando-se em feiras.
Não corra o risco de julgar “Sabbatum” antes de escutá-lo. Não é um disco de New Age ou uma curiosidade de luxo. É uma obra bem pensada e produzida em seus mínimos detalhes, com uma fidelidade ferrenha àquilo que se propõe. O Rondellus não realizou outros trabalhos com intenções semelhantes, o que descarta qualquer hipótese de que essa seria uma aventura para obter retorno fácil em cima de um grupo de grande apelo popular. Pelo contrário, eram as composições certas da banda condizente. O disco revela que o tempo, para o Black Sabbath, deixou de ser uma linha reta e tornou-se uma superfície plana, sobre a qual ele pode ondular em direções diversas. Os preceitos cronológico e verbal diluíram-se e afunilaram-se para uma simples e reveladora sentença…
O Black Sabbath É.
Músicas
01.Verres militares (War Pigs)
02.Oculi Filioli (Junior’s Eyes)
03.Funambulus domesticus (A National Acrobat)
04.Symptoma Mundi (Symptom of the Universe)
05.Post murum somnii (Behind the Wall of Sleep)
06.Post aeternitatem (After Forever)
07.Magus (The Wizard)
08.Solitudo (Solitude)
09.Rotae confusionis (Wheels of Confusion)
10.Planetarum vagatio (Planet Caravan)
11.Via gravis (A Hard Road)
12.Architectus urbis caelestis (Spiral Architect)
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9/10