O assustador espectro na capa do disco e o seu título, “Whocantbenamed”, em simples tradução “Quemnãopodesernomeado”, já criam expectativas sobre o que iremos ouvir. De imediato, lembro de todos os livros de H. P. Lovecraft que li e tento imaginar como aqueles contos soariam em forma de música.
Não me decepcionei. A música é exatamente o que eu esperava: um Death Metal agressivo, sombrio, ameaçador. Certamente que as letras não iriam tratar sobre entidades como Cthulu, Nyarlathotep ou Shub-Niggurath. Os deuses mencionados, e desconstruídos, em suas faixas, são outros mais reconhecidos em nosso dia-a-dia.
Mossoró é uma das principais cidades interioranas do nordeste brasileiro, grande produtora de petróleo. De seu território, porém, foi gerada uma banda cuja escuridão é tão densa quanto a cor do óleo que ali jorra. Sobrepujando todas as dificuldades que as bandas de nossa região tem que transpor para poder produzir e distribuir o seu trabalho, o Heavenless surge com um primoroso disco de estréia. Com bastante influência de Morbid Angel, reforçada por toques de Sepultura e Slayer, a banda atua como uma força compacta, onde uma parte não se sobressai à outra, e isso não é mera força de expressão. É bem sabido que o Metal, em termos gerias, é essencialmente baseado na guitarra, mas isso está longe de significar que ela tenha que ser o centro das atenções em todos os momentos. Nesse ponto, a produção de Cássio Zambotto conseguiu a proeza de manter todos os instrumentos devidamente audíveis, favorecendo a unidade do trio que compõe o Heavenless. Ouvindo o disco, você percebe que não há um elemento se destacando em relação aos demais. A bateria e o baixo estão tão presentes, e executando linhas de tanta evidencia, quanto a guitarra, fazendo da música do Heavenless uma massa sólida, de pura contundência.
“Enter Hades” e “Hopeless” é uma dobradinha perfeita para abrir o disco, tanto pela pegada quanto pelos títulos. De fato, a violência da primeira faixa, com seus andamentos que remetem a Sepultura, é um convite explícito para a recepção de Hades, senhor do reino dos mortos, que alguns podem assumir que seja o inferno e que, segundo Dante Alighieri, é o local onde toda a esperança deve ficar de fora, tão rápido quanto o ritmo da segunda música.
Nenhuma banda extrema deve prescindir de apresentar uma faixa onde impere apenas o peso. Lenta e sinistra, “The Reclaim” é um destaque do álbum, pelo clima de densidade angustiante e absoluta. Ao chegar até aqui, percebe-se que as faixas praticamente não tem solos e é ótimo que assim seja, pois dentro da musicalidade do grupo, eles não são tão necessários. As intervenções de Vinicius Martins são sempre em favor do arranjo, com a inserção de trechos ou idéias que enriquecem a música. Solos mesmo só irão aparecer, de forma curta e direta, nas agressivas “Odium” e “Uncorrupted”.
Complementado por Kalyl Lamarck, no baixo e vocal, e por Vicente Andrade, na bateria, o Heavenless ainda lhe apresentará mais alguns momentos de expressão de ódio, nas músicas “Hatred”, “Soothsayer”, “Deceiver” e a incisiva “Point-blank”, todas demonstrando que “Whocantbenamed” é a mais recente prova de que o nordeste brasileiro é tanto um lugar de gente determinada quanto uma região de tradições. Fortes e enraizadas tradições. E é, portanto, de nossas tradições, gerarmos bandas de Death Metal sérias, autênticas e relevantes como o Heavenless.
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9/10