A dor da perda. Aquele delírio, sentimento amargo no peito, sofrimento forte que parece que não vai cessar… Molda-se a paisagem de um pântano negro e alagado sob a madrugada nublada, onde uns pouquíssimos resquícios de Sol que emergem do horizonte tentam romper as pesadas nuvens negras, que insistem em chorar na forma de uma chuva fraca que sucede uma tempestade…
Acordei!
Se não foi essa a imagem que Juha Raivio, guitarrista do Swallow The Sun, criou em sua mente ao saber da partida precoce da cantora Aleah Starbridge, deve ter sido bem parecido. O cara que mais há mais de 15 anos comanda uma das bandas mais importantes de Death/Doom da atualidade, de repente encontra a mais forte e dura inspiração para compor seu Doom. Explica-se.
Em 2009, Juha e Aleah juntaram forças e fundaram a banda Trees Of Eternity. Aleah, dona de uma voz bela, sombria e fantasmagórica, foi a pessoa e voz perfeita para o posto, pois ela também tinha o talento da escrita. Seus textos que falavam de morte e de tristeza ganharam a trilha sonora de Juha Raivio, que era um Doom Metal altamente atmosférico, registrado no álbum Hour Of The Nightingale, lançado em 2016. De longe o melhor trabalho de Doom Metal do ano, pois este disco carregava realismo. Como a vida imita a arte, este álbum serviu de epitáfio para a vida de Aleah, vida que encontrou a morte, na tenra idade de 38 anos, vítima do mortal e perverso câncer. Aleah faleceu pouco antes do lançamento de Hour Of The Nightingale.
Como declarado posteriormente, Juha Raivio de repente se viu numa amargura profunda ante a perda de sua parceira musical. Coube a ele se reerguer e continuar a fazer o que sabia de melhor: compor Doom. Para seguir com o legado e a obra de Aleah foi que Juha convidou os músicos Tomy Joutsen (vocais, Amorphis) e Gas Lipstick (bateria, ex-HIM) para juntos fundarem o Hallatar. Juha compilou as poesias que Aleah havia escrito enquanto em vida e as aproveitou como sendo as letras das músicas.
Intitulado No Stars Upon The Bridge (numa clara referência ao sobrenome de Aleah Starbridge), o debut do Hallatar foi lançado em 20 de outubro via Svart Records. Este trabalho é pesado, não só no sentido musical, mas também na atmosfera criada. É um álbum sofrido, amargurado, que chora, que atravessa delírios e encara diferentes matizes de desespero. Assim como estava a mente de Juha Raivio, assim ele traduziu em música. Musicalmente falando, No Stars Upon The Bridge tem o lado belo e atmosférico do Trees Of Eternity e a faceta pesada e sombria do Swallow The Sun, com um pé no Funeral Doom, pois músicas como a mortal Mirrors (Doomzão cavernoso) e The Maze andam num ritmo ultralento. Se no Trees Of Eternity os vocais guturais inexistem, no Hallatar eles aparecem de sobra em todas as músicas.
A música Melt põe você a refletir na efêmera passagem da vida sentado na borda de uma floresta a beira de um precipício. My Mistake, que ganhou clipe, é etérea e calmante; traz uma confortante atmosfera, de alguém que passou para o outro lado da existência metafísica e agora vive em paz. Reforça esta sensação os doces vocais da cantora convidada Heike Langhans (Draconian). Todavia, o momento de maior emoção do álbum é na faixa que o encerra, Dreams Burn Down. Eis que a voz de Aleah Starbridge surge do além, bela, doce e misteriosa, a embelezar e reforçar a composição triste de Juha Raivio. É impossível não penetrar no mundo criado por esta música e não sentir o âmago de seu ser espremido, triste e em dor.
Produzido por Jaani Peuhu, No Stars Upon The Bridge tem uma sonoridade densa e pesada, com as guitarras a frente criando a parede sonora e as camas de teclado em seus devidos lugares, tão somente na função de criar o clima de velório e transcendência que as músicas exigem. Algumas faixas funcionam somente como pontes (bridges), ao piano ou à guitarra acústica, onde a voz de Heike Langhans aparece sussurrando as letras de Aleah.
Se Aleah Starbridge pode ouvir o Hallatar, não sabemos. Talvez ela possa ouvir sim, no seu lugar de paz e mansidão. Deve estar com um sorriso em seu rosto pálido, feliz por conceder ao amigo Juha Raivio a benção e a inspiração que nunca ninguém recebeu antes: compor Doom Metal realista, pois No Stars Upon The Bridge foi concebido com dor e tristeza reais. Por isso é um álbum forte. Que Aleah descanse em paz.
No Stars Upon The Bridge – Hallatar (Svart Records, 2017)
Tracklist:
01. Mirrors
02. Raven’s Song
03. Melt
04. My Mistake
05. Pieces
06. Severed Eyes
07. The Maze
08. Spiral Gate
09. Dreams Burn Down
Line-up:
Juha Raivio – guitarras, contrabaixo, teclados
Tomi Joutsen – vocais
Gas Lipstick – bateria
Heike Langhans – vocais em My Mistake
Aleah Starbridge (R.I.P.) – vocais em Dreams Burn Down
-
9/10