No último sábado, dia 30 de março, Curitiba recebeu sir Paul McCartney com lotação da capacidade máxima. 42 mil pessoas se dirigiram ao estádio Couto Pereira para prestigiar uma das poucas apresentações que o ex (e eterno) Beatle fez no Brasil. Foram três oportunidades de conferir a “The Freshen Up Tour” no país, realizada pela Time For Fun, que teve seus ingressos esgotados em poucas semanas.
Enquanto o público chegava no estádio, um DJ aquecia a noite com um mix de sucessos dos Beatles. Reza a lenda que o que tocou antes, não seria tocado por Paul. De certa maneira, é uma forma de abranger diversos sucessos num único momento. Afinal, incluir mais de 50 anos de carreira em uma noite é impossível. Mas tudo parece possível quando ele sobe no palco.
Antes de começar o show, os dois telões, localizados ao lado do palco, mostravam uma cronologia, com fotos de Paul, Lennon, Ringo e George, bem novinhos. As idades das fotos foram aumentando até que mostraram apenas o baixista canhoto, já com cabelos brancos. Os prédios que ilustravam o fundo para as fotos também se modernizavam na arquitetura ao longo da passagem.
“Hard Day’s Night”, single de 1964 abriu a noite, seguida de “Junior’s Farm”, da segunda banda de Paul, Wings. Após “Can’t Buy me Love”, McCartney agradeceu ao público em português, enquanto olhava a sua “cola”: “Obrigado. Valeu. Esta noite vou tentar falar um pouco de português.”, disse. A plateia foi à loucura. “Letting Go” teve acompanhamento de um trio de sopros com trombone, sax e trompete, que estavam localizados no meio do público, entre as torres de luz. Essa foi a primeira surpresa de uma noite recheada de efeitos emocionantes.
Paul é extremamente carismático e agradece ao final de cada música. Entre as palavras em português que aprendeu, incluiu algumas gírias que soube utilizar no momento certo. “Tamo junto”, disse agradecendo. Além dos clássicos, ele incluiu algumas músicas do novo álbum “Egypt Station”: “Who Cares” e “Come On To Me”.
Vale dizer que Paul, apesar dos cabelos brancos, continua com a aura de menino subindo ao palco. Uma impressão que contagia não só o músico, mas o público também. “Ai meus quinze anos”, disse dona Maria Ruth Sklaski ao ver o cantor preferido de sua adolescência no palco. Quando soube do anúncio do show, a filha não teve dúvidas e surpreendeu a mãe. “Ver a felicidade dela, cantar e vibrar junto foi muito especial. Temos lembranças lindas desse momento para o resto da vida. Uma cumplicidade que vai além do elo materno, cumplicidade de fãs.”, disse Renata Sklaski.
Quem também ficou emocionada foi Silvia Cristina de Almeida Fraiz. “Todo o show foi maravilhoso, mas as músicas dos Beatles nos remete à nossa adolescência. É muito bom”, disse ela que foi com a irmã, a filha e os sobrinhos no show. “Minha filha e meu genro ouvem os Beatles e gostam muito do Paul.” Ela começou ouvir no começo dos anos 70 e conta como conheceu a banda: “Quando eu tinha 13 a 14 anos ouvindo música no Clube Recreativo de Ribeirão do Pinhal, e nas brincadeiras dançantes que minha irmã fazia na nossa casa e também nas casas das amigas. Era hábito”. Uma das músicas que mais emocionou Silvia foi “Blackbird”.
“Essa música é sobre direitos humanos”, disse Paul ao apresentar o clássico lançado em 1968 no “White Album”. “Blackbird” ficou conhecida por ser uma metáfora dos conflitos raciais nos Estados Unidos, independente do real motivo da criação. A beleza da música ficou retratada também no palco, quando as luzes estavam apenas no cantor, sozinho no palco com o violão, de maneira sublime. “Thank you. Thank you very much. Direitos humanos.”, finalizou Paul.
Essa música também foi um momento importante para Régis Marcelo Pinto. “Ela se torna especial, pois toda situação que quer me colocar a prova do porque estou fazendo, ouço ela e parece que me encoraja.”, disse o professor que viajou mais de 500 quilômetros para ver o show de Paul McCartney.
Ele e a esposa Juliana escolheram Curitiba por ser no final de semana. Eles moram em Taubaté, interior de São Paulo. E valeu a pena? “Sem dúvidas. Aquela frase ‘dinheiro a gente recupera, o tempo não’ fez todo sentido quando cheguei em casa. Olhei pra minha esposa, a agradeci pela companhia e por topar tudo isso e fiz um ‘check’ no meu livro da vida.”, disse o professor.
Camila Rigoni Folador não nasceu na época dos Beatles, mas é fã de carteirinha da banda. “Comecei a ouvir álbum por álbum, música por música, eu ouvia tanto que em pouco tempo decorei todas as letras. Nunca mais parei de ouvir.”, disse a empresária. “Me marcou também quando ele tocou ‘Something’, amo essa música e a homenagem pro George me fez chorar”.
Apesar de ser um show solo, Paul não deixou de lado a sua história e muito menos quem passou por ela. “Essa próxima música é dedicada ao meu amigo George. George é um excelente tocador de Ukelele.”, disse o músico ao anunciar “Something”, enquanto passavam fotos antigas no telão atrás do palco. “Obrigado George por fazer uma música tão bonita.”
Entre as homenagens, está a música lançada em 2012, “My Valentine”. “Eu escrevi essa música para minha amada esposa, Nancy. Ela está aqui hoje.” Paul tocou ela no piano, enquanto nos telões aparecia o clipe em que Natalie Portman e Johnny Depp interpretam a letra em libras.
Os primórdios da banda dos meninos de Liverpool também foram contemplados. “In Spite Of All The Danger”, gravada pela “The Quarrymen”, em 1958, que além de Lennon, Harisson e Macca, tinha Colin Hanton e John Lowe. “Primeira canção que os Beatles gravaram”, disse Paul. Ele pausou a canção e pediu para o público cantar junto. “Vocês aí atrás? Desse lado. Do outro. Vocês na frente.” E, claro, a plateia respondeu à altura.
Nessa lista de homenagens não poderia faltar Lennon. “Eu escrevi essa música para meu irmão John” disse, em português. Em “Here Today”, o telão atrás do palco se transformou em um passeio pela Via Láctea. ‘Macca’ pediu ajuda do público na hora de cantar uma música especial: “Back to Brazil”. “Eu fiz especialmente para o Brasil. Quando eu cantar Ichiban, cantem comigo.”. De fato essa música foi feita na passagem do artista pelo país, em outubro de 2017. Um fato curioso é que muitos curitibanos aproveitaram a deixa e, em vez de cantar, “ichiban”, entoavam em coro “Curitiba”. Ao final da música, ele explicou que “Ichiban” é a palavra japonesa para “você é número um”. A cortesia de Sir Paul de fazer uma música para o Brasil encantou Silvia, que jamais imaginou, nos primórdios dos anos 70 que poderia ouvir isso ao vivo: “Emocionante, difícil de explicar, ele transmite uma energia fantástica, aliado ao grande talento e ao carisma para com o público e a todos os brasileiros”.
Uma coisa ficou clara, para acompanhar o multi-instrumentista, a banda não fica devendo nem um pouco. Rusty Anderson, guitarra, voz e violão, Brian Ray, guitarra, violão, baixo e voz, Paul Wickens, teclado, guitarra, acordeão, gaita e voz e Abe Laboriel Jr. na bateria. Abe fez uma participação para lá de especial na música “Dance Tonight”. “Eu quero que todo mundo dance essa noite.”, disse Paul. Como quem incentiva o público, o baterista se levantou e fez alguns passos de dança, agradeceu o carinho do público como faz uma bailarina e voltou para a bateria para finalizar a música. “Vocês estão se divertindo? Eu também.”, finalizou o cantor.
É difícil descrever os momentos mais emocionantes do show, mas o momento em que “Let it Be” surgiu certamente está nessa lista. Em épocas modernas, o público acompanhou com a lanterna do celular e a plateia deu um tom dramático com diversos pontos de luz espalhados pelo estádio. “Obrigado pelas luzes.”, agradeceu Paul.
Para Camila, o momento mais emocionante foi “Live and Let Die”: “A vibração dessa música é muito intensa, e o show de luzes e fogos foi muito emocionante. Fiquei tão elétrica que só peguei no sono de manhã”. A apresentação foi tão barulhenta que no final até o próprio Paul brincou que não estava ouvindo o público. A música começou devagar e no ponto em que ela se torna mais animada, surgiram explosões no telão e fogos no palco. Até que vieram os fogos de artifício e coloriram o céu em cima do Couto Pereira.
Para Regis, um dos pontos a serem destacados foi certamente a diversidade de público. “O ponto mais alto foi ver pessoas de várias idades nesse show. Vários jovens que nasceram no ano em que Paul se apresentou na cidade, pilhados em querer ver logo o ídolo (uma esperança surge sobre gostos musicais).”, disse o paulista. Já Renata, destaca o português do artista inglês: “Algumas músicas têm valor especial pra mim. Mas o ponto alto foi ele falando em gírias em português” (risos). Isso porque Paul realmente surpreendeu os fãs com: “valeu”, “massa”, “suave na nave”, “estamos bombando”, e incluiu gírias curitibanas.
As plaquinhas de “NANANA”, entregues na entrada do show, eram especialmente para que o público participasse ativamente na música “Hey Jude”. O cantor olhava feliz para a plateia no momento em que os cartazes estavam em pé. Mas ele fez questão de sair do piano, e com o microfone em mãos na frente do palco, ficou coordenando o coro. “Agora só os piás”, o que causou comoção de risos. “Só as gurias”. Ele voltou para o piano e terminou a música. “Amo vocês. Vocês são ótimos.”, disse se despedindo.
Todo mundo agradeceu, saiu do palco e as luzes se apagaram. O público nem se mexeu, porque sabia que ele voltaria. E assim foi, surgiu no palco segurando a bandeira do Brasil, mas também da Inglaterra e LGBT. Enquanto agradecia, o roadie com cara de mau entregou o violão “à força” e pediu para os fãs gritarem “mais”. Paul fingiu surpresa e emendou “Birthday”, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, “Helter Skelter” e um mix de “Golden Slumbers/Carry That Weight/The End”. Ele agradeceu a “melhor equipe do mundo”, a “minha banda fantástica” e aos fãs. “Tivemos uma noite fantástica e não conseguiríamos sem vocês. Agora temos que vazar.”, disse Paul.
Um show como esse da “The Freshen Up Tour” mobiliza tanta coisa que fica difícil descrever. “Bem, ver e ouvir Paul McCartney contando toda sua trajetória em 3 horas de show é de arrepiar. Pontual, gentleman e com um caráter musical ímpar. Ouvir as músicas que meus pais apreciavam quando jovens e saber que eu estava ali vendo um ex-BEATLE, valia qualquer esforço”, disse Regis.
Paul esgotou os ingressos porque faz parte da história musical e pessoal de cada um que fez o possível e o impossível para estar lá, das Camilas, Renatas, Marias Ruth, Silvias e Regis.