Noite relativamente quente de uma quinta-feira de outono no Rio de Janeiro, até ai nada de novo, nesta cidade em que as estações do ano se resumem em quente e muito quente. E haveria de esquentar ainda mais, a ponto de Corey Glevor não resistir por muito tempo em permanecer com seu blazer excêntrico em cima do palco por todo o set. Culpa dele e de seus parceiros de LIVING COLOUR, Vernon Reid, Dough Wimbish e William Calhoun, que proporcionaram aos fãs fluminenses uma verdadeira celebração, mais do que merecida, aos 30 anos de lançamento de “Vivid“, o primeiro álbum da banda e que os jogou direto ao estrelato e ao reconhecimento.
Não consegui chegar a tempo de pegar a banda de abertura, o SEU ROQUE. Enquanto eu enfrentava uma pequena fila destinada ao pessoal de imprensa, deu para escutar um pouco do som dos caras, mas nada que fosse suficiente para poder expressar algum tipo de opinião, nem a favor, nem a contrário, sobre os caras. E não foi somente eu quem me atrasei, houve um atraso também no horário da banda de abertura, que impactou na banda principal. Nada que atrapalhasse de fato o espetáculo. E bom porque enquanto o LIVING COLOUR não subia ao palco, todos nós escutávamos clássicos dos anos 90, como PEARL JAM, ALICE IN CHAINS, METALLICA, RAGE AGAINST THE MACHINE, que rolava no PA.
E esse atraso foi até bom, porque a galera chegou em cima da hora: Quinta-feira, moçada tá saindo do trabalho, alguns foram direto para o Circo Voador, outros foram em casa trocar de roupa. Quando eu cheguei, confesso que temi por um fiasco de público. Mas foi bom porque pude garantir um lugar lá no gargarejo e quando dei por mim, todos os lugares da pista estavam tomados de gente. Ou seja, a casa encheu, e loucos seriam os que deixariam de ir em evento de tal magnitude.
Pouco mais das 9 da noite, o quarteto de Nova Iorque sobe enfim ao palco e a abertura se deu com “Prechin’ Blues“, cover de Robert Johnson e que está presente no disco mais recente dos caras, “Shade“. E ai o baixista Dough Wimbish mostrou que não estava para brincadeira. O cara começou ali o seu espetáculo nas quatro cordas, usando e abusando da sua pedaleira, colocando um peso absurdo no som. Ele roubou a cena e certamente é o músico mais talentoso da banda, sem claro, desmerecer nenhum outro, todos são ótimos, mas ele é um monstro.
A música seguinte, “Who Shot Ya?“, outro cover incluída no set, desta vez, do THE NOTORIOUS B.I.G., também presente no álbum “Shade” fora especial. O guitarrista Vernon Reid dedicou esta música em memória da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, brutalmente assassinada juntamente com seu motorista, Anderson Gomes. O título da música cai como uma luva no atual momento em que (parte da) sociedade brasileira cobra das autoridades uma resposta para esse crime. E aqui cabe uma crítica: não importa qual seja a sua visão política, até porque aqui não estou diretamente abordando o campo político, mas não dá para aceitar como uma coisa corriqueira um assassinato, da forma que foi. O caro leitor tem todo o direito de não concordar com as bandeiras que ela levantava, isso faz parte do processo democrático, mas isso não pode e nem deve justificar uma morte tão cruel. E se há brasileiros que simplesmente ridicularizam esse crime, o mundo diz não. Assim como Roger Waters homenageou a família da vereadora num Maracanã lotado no ano passado, Vernon Reid nos fez lembrar que as pessoas ainda podem se sensibilizar com a dor alheia. Ponto para a banda.
Passadas as duas músicas “alheias” à festa, entra o playback que antecede a música de abertura de “Vivid“, “Cult of Personality“, para delírio dos que lotavam o Circo Voador. Ai, com o público na mão, os caras só tiveram o trabalho de botar a galera para pular… Quer dizer, nem tanto, porque os presentes já não eram tão jovens assim, todos já na casa dos 40, ou beirando, como este que vos escreve, mas foi só alegria. E novamente eu destaco o baixista Dough Wimbish, que arrebentou na apresentação. A forma como ele toca, a presença de palco, sabe colocar peso nas músicas, seus efeitos são monstruosos e em nenhum momento a banda sente a falta de uma segunda guitarra. Na verdade nunca precisou. Nem em “Desperate People“, uma das músicas mais pesadas do álbum.
A precisão dos músicos é impressionante, e ao vivo eles soam muito mais pesados. Este redator que vos escreve ficou literalmente arrepiado quando chegou a vez de “Middle Man” e de “Open Land (to a Landford)”, sobretudo com o show à parte que um carismático Corey Glevor deu, ao soltar seus agudos nos primeiros versos desta música, antes da entrada dos instrumentos. E Corey estava visivelmente feliz em estar ali, sorrindo com os amigos de banda o tempo todo, vibrando.
Em “Funny Vibe“, se a galera quisesse, poderia abrir um mosh, porque essa música pede isso na sua parte mais rápida. E ao vivo ela ficou ainda mais violenta. E a galera cantou a plenos pulmões. Aliás, essa mistura de Funk com Metal que a banda faz, principalmente nesta música é uma coisa assim sensacional e eu confesso que fiquei impressionado ao vê-la in loco.
“Memories Can’t Wait” foi outro ponto alto da apresentação, enquanto que “Broken Hearts” deu uma quebrada no ritmo, já que se trata de uma balada. E “Glamour Boys“, a minha favorita de toda a carreira da banda, veio logo em seguida, com uma mudança brusca em seu andamento, bem mais lento do que o que se escuta na gravação de estúdio. Eu estranhei um pouco no primeiro momento, mas ficou muito legal, pesadona, linda.
A tristeza já começa a tomar conta de todos os presentes quando chega “What’s Your Favourite Colour?”, uma vez que esta é a penúltima música do homenageado da noite. E Corey Glevor com seu carisma, puxava a primeira parte de um dos versos (What’s your favourite colour, baby?) e a galera respondia com “Living Colour”… Lindo isso!
Em “Which Way to America“, o baterista William Calhoun, que desceu o braço no seu kit durante o set, desta vez não teve piedade e ainda emendou com um solo de bateria e depois de percussão, que durou uns dez minutos, enquanto os outros três integrantes se retiravam para ganhar um fôlego extra e fazer o retorno triunfal com o encore.
E o encore me surpreendeu de verdade. Se no Chile, ele fora resumido à apenas duas músicas, a clássica e obrigatória “Love Hears is Ugly Head” e o cover do THE CLASH, “Should I Stay or Should I Go?“, aqui no Rio de Janeiro, eles eliminaram este cover e incluíram dois petardos, os quais eu sairia bem frustrado se eles ficassem de fora: “Elvis is Dead“, que agitou de verdade a galera, encaixando com um pedacinho da clássica “Hound Dog“, para depois emendar com “Type“, outra das minhas preferidas dos caras, fechando um showzaço que ninguém pode colocar defeito. Nem mesmo a ausência de músicas como “Time’s Up” ou a calma “Solace of You” me fará repreender a apresentação. Queria eu poder escrever aqui todos os palavrões os quais eu proferi, ao sair do local do show, extasiado que fiquei. Era a minha primeira vez vendo a banda ao vivo, em sua última apresentação por aqui, em 2013, eu não consegui ingressos para vê-los no Rock in Rio.
E assim se deu essa apresentação histórica. Os caras apostaram na “bola de segurança”, uma receita infalível. Os fãs mais saudosos como eu com certeza adoraram e com isso serve como motivação para que possamos valorizar nossos ídolos em vida. O LIVING COLOUR fez parte da minha pré-adolescência e vai seguindo comigo, sem que haja da minha parte, vontade alguma em deixar de seguí-los. E ainda cabe um registro, o lado fã do cara que cobria o show aflorou quando ele conseguiu apertar a mão do vocalista Corey Glevor. Uma honra que jamais esquecerei. E no último ato, quando a banda se preparava para a clássica foto com o público atrás, a resposta veio com alguns “elogios” ao presidente da república. Mesmo em português, acredito que os caras da banda entenderam…E gostaram.
Setlist:
01 – Preechin’ Blues
02 – Who Shot Ya?
03 – Cult of Personality
04 – I Want to Know
05 – Middle Man
06 – Desperate People
07- Open Letter (to a Landford)
08 – Funny Vibe
09 – Memories Can’t Wait
10 – Broken Hearts
11 – Glamour Boys
12 – Whats’ Your Favourite Colour?
13 – Which Way to America
14 – Drum Solo
Encore:
15 – Love Hears is Ugly Head
16 – Elvis is Dead/Hound Dog
17 – Type