Fotos por Gandhi Guimarães (Arquivo Underground)
Vinte e oito graus. Essa era a temperatura de Fortaleza na noite de 03 de Junho. Um clima com o qual nós, que aqui vivemos, já estamos acostumados, mas que provavelmente era incomum para os visitantes nórdicos que se preparavam para entreter nossa noite.
Amon Amarth e Abbath vem de países vizinhos, Suécia e Noruega, e ambos lançaram alguns dos melhores trabalhos do ano de 2016, sendo estes os carros-chefes de suas atuais turnês de divulgação. A passagem pela América Latina teve início com um show no dia 24 de Maio, em Limeira, e compreende dezoito shows no total, sendo nove apresentações no Brasil. O Complexo Armazém, casa de shows situada na Praia de Iracema, que há um ano e meio atrás foi palco do encontro entre Cannibal Corpse e Testament, estava prestes a presenciar mais um duo titânico, em uma noite escandinava na capital cearense.
Havia muita expectativa no ar, pois ambas as bandas estão em fases relevantes de suas carreiras e são conhecidas por apresentarem grandes espetáculos, com bastante teatralidade. Além do mais, Fortaleza tem histórico de receber bem as bandas extremas, e nessa noite não seria diferente. Passados uns dez minutos do horário previsto, a entrada do público, que era reforçado com a presença de caravanas de cidades próximas, foi liberada e deu-se com muita tranquilidade. No lado de dentro, o local foi sendo ocupado aos poucos e já estavam sendo formadas filas para o stand de merchandising oficial. Na hora prevista para o início do espetáculo, a casa já estava cheia, mas a primeira atração só começou o seu set após um atraso de quinze minutos.
Às 20:15hs, a banda Abbath sobe ao palco e inicia a execução de “To War!”, faixa de abertura de seu autointitulado álbum de estréia e cuja introdução reforça o clima de expectativa, que chega ao seu ápice quando o guitarrista/vocalista Abbath adentra no recinto.
Abbath é, de longe, uma das figuras mais peculiares e carismáticas de toda a geração da segunda onda do Black Metal e criou a banda que leva o seu nome em 2015, após desligar-se do Immortal por motivo de disputas judiciais com os demais membros, envolvendo os direitos sobre o nome da banda, sendo essa é a primeira visita ao Brasil de sua nova empreitada. Ao surgir no palco, ele já o faz incitando o público com suas caretas e ataca a letra da canção, com toda a sujeira de seu vocal. Passado o impacto inicial, o público começa a reagir, sob os comandos do baixista King Ov Hell.
É King, por sinal, quem assume a condução do espetáculo junto a Abbath, e sua performance como baixista é uma atração à parte, como demonstrou nas criativas linhas que fez em “Winter Bane”, a excelente música seguinte. Após “Ashes Of The Damned”, Abbath saúda o público e anuncia “Warriors”, a primeira menção ao seu passado e única faixa presente do disco “Between Two Worlds”, do projeto I.
Enfim, era chegada a hora de soar o primeiro dos clássicos do Immortal que comporiam o setlist, e ele veio através de “In My Kingdom Cold”, do álbum “Sons Of Northern Darkness”, que traz passagens bem rápidas, com uso de blasting beats, intercaladas com momentos de muito peso, e que, ao final, deixa ressoar uma microfonia de guitarra para, sem pausa, iniciar a fantástica “Tyrants”, mastodônica faixa do mesmo disco da música anterior e, sem dúvida, o ponto alto da apresentação. No meio de “Tyrants”, a banda para subitamente de tocar, para Abbath poder provocar o público, arrancando os gritos de “hey” ao seu comando, e reinicia a canção, prosseguindo para “Nebular Ravens Winter”, a faixa mais antiga do setlist, do álbum “Blizzard Beasts”, de 1997, seguida, na sequência, por “Count The Dead”, mais uma do novo trabalho.
Aproximando-se do final, a banda inicia o clássico “One By One” e uma parte do público, que se mantinha meio comportado, arrisca abrir uma roda de mosh. Quando terminou a música, porém, um roadie veio falar com Abbath e a banda saiu do palco, de forma muito súbita. Soube-se, posteriormente, que fiscais da Prefeitura de Fortaleza quiseram interromper a continuidade do show por motivo de volume sonoro, mas a produção conseguiu contornar a situação. Infelizmente, por conta disso, a apresentação do Abbath teve que ser interrompida sem que tocassem “All Shall Fall”, que deveria ser a última do setlist, conforme a banda vem fazendo em suas apresentações recentes. O prosseguimento do cronograma fez com que os músicos se dirigissem logo ao “Meet and Greet” e liberassem o palco para que fosse preparado para a atração seguinte. Esse fato chateou a parcela do público que estava lá para ver a lenda do Black Metal, em sua primeira visita à Fortaleza, e culminou como único ponto negativo da noite.
Passados os minutos necessários para que o palco fosse reorganizado, a noite da Escandinávia em Fortaleza começava a retornar, com o apagar das luzes. Era hora da invasão viking! O Amon Amarth já esteve no Brasil em outras ocasiões, mas esse era o primeiro conhecimento de território no Norte e Nordeste do país. A banda é, certamente, uma das que oferecem a melhor experiência de um show de Heavy Metal na atualidade, tanto em termos musicais quanto visuais, através de uma fórmula que mistura harmonias de guitarra na linha do Iron Maiden, com elementos de Death Metal e o tom de canções de guerra pairando sobre tudo.
As primeiras e inconfundíveis notas de “The Pursuit Of Vikings” foram a senha para atear fogo no local e nesse momento o público deixou bem claro que estava ali, em sua maioria, para receber a atração principal, pois reagiu com um ânimo esfuziante, que ainda não tinha surgido em plenitude. De cara, a banda já entrou no palco com o jogo ganho e deixam bem claro que fazem por merecer a popularidade de que desfrutam atualmente, com um domínio de palco absoluto. Fortaleza já recebeu muitos shows, mas poucas foram as ocasiões em que fomos visitados por uma banda que está no seu auge, no momento crucial de sua carreira, e dessa vez isso ocorreu.
Decerto que resumir, em um show, o melhor de dez álbuns lançados em vinte anos de carreira não é fácil. Nesse sentido, os três primeiros discos ficaram à parte do setlist, mas ninguém iria reclamar, pois é de “Versus The World”, de 2002, pra frente, que vem o seu material mais conhecido e, ao começar “As Loke Falls”, do disco “Deceiver Of The Gods”, a plateia responde, rápida e impressionantemente, à melodia executada pelo guitarrista Johan Söderberg.
O vocalista Johan Hegg, à primeira vista, pode parecer uma figura intimidadora, mas contrariando qualquer impressão nesse sentido, o sujeito é pura simpatia! Depois de um “Boa noite, Fortaleza” e “Como vocês estão essa noite?”, pronunciados em português, ele anuncia “First Kill”, que é a primeira do aclamado novo álbum, “Jomsviking” e certamente ficou satisfeito com a receptividade de sua audiência, que reagia a cada refrão, a cada momento mais compassado, com braços erguidos e sons de “hey”, além dos inevitáveis coros de “ôôô”, como na introdução de “The Way Of Vikings”.
Após a emocionante “At Dawn´s First Light”, o som de corvos anuncia “Cry Of Black Birds”. O público entoa o riff e Hegg aproveita a deixa para comandar os gritos, mas é em “Deceiver Of The Gods” que a batalha foi desencadeada, pela primeira vez e com força, no meio da pista. Nesse momento, ficou claro que o público queria vivenciar plenamente a festa viking pois, repentinamente, no meio do solo, uma parte do público senta no chão, em fileira, e simulam como se estivessem remando um drakkar, inclusive com direito a um fã que fazia a parte de incentivador! Ainda bem que não haviam chicotes por perto…
Apoiada na segurança das bases do baixista Ted Lundström e do baterista recém-ingresso, Jocke Wallgren, a banda prossegue com “Tattered Banners And Bloody Flags” e a insana “Destroyer Of The Universe”, e as rodas de mosh vão ficando maiores. Em “Death In Fire”, eu me pergunto se os tendões da mão do guitarrista Olavi Mikkonen não estão ligados ao seu pescoço, porque o sujeito não para de bater a cabeça um minuto que seja! E o show prossegue sem embromação, passando por “Father Of The Wolf”, “Runes To My Memory” e “War Of The Gods”, que encerra a primeira parte da apresentação.
Após um intervalo quase instantâneo, os músicos voltam para o palco, cada um empunhando o seu horn, que são aquelas taças em formato de chifre, para o consumo de hidromel. Sorvem suas bebidas, em saudação ao público, e anunciam “Raise Your Horns”, faixa do novo disco que já nasceu clássica e que faz todos participarem em seu refrão, erguendo o que quer que seja: os horns, as cervejas ou mesmo os punhos, pois o que importa é celebrar e molhar a garganta para prepará-la para a canção seguinte, gritando bem alto que nós somos os guardiões! Nós somos os “Guardians Of Asgaard”!!!
Já sabendo que a próxima música seria a última do show, o público abriu uma imensa roda no meio da pista e conseguiram mantê-la vazia até o desencadear de “Twilight Of The Thunder God” e a eclosão da guerra! Essa foi a catarse definitiva e não teria mais para onde prosseguir, além do tradicional arremesso de palhetas e baquetas e da gratidão de ambos os lados. Hegg faz o seu último brinde e é o último a deixar o palco.
Fim de show. Os vikings tem que partir.
Saindo do Armazém, a noite já não parecia mais tão quente, pelo menos em temperatura térmica, mas, na satisfação escancarada de todos que ali estavam, o calor era imenso. Vamos aguardar o próximo ciclo de navegação e torcer para que, mais uma vez, estejamos nas rotas de pilhagem das naus nórdicas.
Setlist Abbath
01.To War!
02.Winterbane
03.Ashes of the Damned
04.Warriors
05.In My Kingdom Cold
06.Tyrants
07.Nebular Ravens Winter
08.Count the Dead
09.One by One
Setlist Amon Amarth
01.The Pursuit of Vikings
02.As Loke Falls
03.First Kill
04.The Way of Vikings
05.At Dawn’s First Light
06.Cry of the Black Birds
07.Deceiver of the Gods
08.Tattered Banners and Bloody Flags
09.Destroyer of the Universe
10.Death in Fire
11.Father of the Wolf
12.Runes to My Memory
13.War of the Gods
14.Raise Your Horns
15.Guardians of Asgaard
16.Twilight of the Thunder God