Em um movimento um tanto quanto inesperado, a internet foi bombardeada pela notícia de que Gary Holt, guitarrista das bandas Slayer e Exodus afirmou que o álbum “The Black Parade”, da banda My Chemical Romance é um de seus álbuns favoritos.
Tudo começou com uma postagem do portal americano Loudwire no dia 23 de outubro, comemorando os 13 anos do lançamento do icônico álbum do My Chemical Romance (antes mesmo do grupo anunciar sua reunião). A fanbase do site, formada majoritariamente por metaleiros ( que inclusive já reclamam do forte interesse do portal na banda Slipknot), foi à loucura, julgando que a banda emo não merecia a atenção do site. Foi então que Gary Holt apareceu e defendeu o álbum, dizendo ser um de seus favoritos, “uma obra prima”.
Em seguida o portal entrou em contato direto com Holt para entrevistá-lo e saber mais sobre o gosto surpreendente do músico. Na entrevista, o guitarrista afirmou que conheceu a banda a partir de sua filha, e que gosta muito do álbum “The Black Parade” por ser ambicioso e por reconhecer influências de Queen, Cheap Trick e Pink Floyd nas composições. O músico ainda elogiou a performance ao vivo do grupo, principalmente dos guitarristas Ray Toro e Frank Iero, além de seus timbres de guitarra. Disse ainda que pretende ir no show de reunião anunciado para este ano, levando sua filha.
Apesar desta notícia ter bombado nos sites de metal como um “fun-fact”, que um membro de uma das bandas mais importantes do metal mundial é fã de uma banda emo, há mais uma camada de importância nessa notícia.
Como todos sabemos, tanto o heavy metal quanto o emo são originados de uma mesma raíz: o rock. Porém, são claramente muito diferentes: o heavy metal, em geral, trabalha a raiva, a força, o poder, a conquista; enquanto o emo, como indica o próprio nome, é mais “emotional”, ou seja, trata de sentimentos como dor, tristeza, solidão, medo. Graças a essa distância, existe uma certa rivalidade entre os grupos: os metaleiros não gostam dos emos por considerar algo “fresco” (pra não dizer outros termos que costumam usar ao se referirem a eles); enquanto que os emos não gostam dos metaleiros por considerá-los, muitas vezes, muito brutos, e pelo preconceito que sofrem do outro grupo.
No entanto, esta rivalidade é completamente desnecessária. Ambos os estilos exigem conhecimento técnico e musical, exigem criatividade, exigem inclusive sentimento (tente escrever uma letra de raiva sem estar com raiva, vai sair horrível, experiência própria). Ainda mais hoje em dia, que o rock de maneira geral perdeu espaço para a audiência mainstream, era o momento de todos os subgêneros se unirem e lutarem para um cenário mais digno, sobretudo no underground.
O emo foi o último grande movimento mainstream do rock no mundo. Basta ver, depois que o movimento emo acabou, qual outro movimento com tamanha influência e força mundial surgiu? Lembrando que estamos falando de mainstream, de audiência de rádio, de vendas altas de discos. Após isso tivemos o movimento indie, que permanece forte até hoje, mas não é um movimento puramente de rock. O indie nos deu algumas bandas boas e influentes de rock como Arctic Monkeys e The Strokes, mas é um movimento muito mais abrangente, que envolve vários estilos desde que tenham surgido com trabalhos “independentes”. O emo não, o emo era o emocore, um subgênero do hardcore que por sua vez é um subgênero do rock. Foi um movimento de impacto cultural enorme com a música girando exclusivamente em torno de um subgênero de rock e somente isso.
Esta notícia de Gary Holt é importantíssima para quebrar esta barreira. Se um homem que toca em duas das maiores bandas de thrash metal do mundo pode gostar de um tipo de som mais melódico, mais sentimental, como o do My Chemical Romance e reconhecer o trabalho bem feito, porque isso não pode ser feito por todos?
Não estou dizendo aqui que de repente todos nós devemos amar o My Chemical Romance e qualquer outra banda emo. Mas defendo aqui o respeito. Qualquer banda, de qualquer estilo, trabalha muito para fazer o seu melhor compondo suas músicas e não é só porque você não gosta que você deve criticar e queimar a imagem do estilo.
Gary Holt nos mostra que não existe ninguém “metaleiro demais” que não possa dar chance a estilos mais novos e mais subjetivos.
Talvez possamos seguir o exemplo de Holt para lutarmos por um rock mais justo, mais inclusivo, mais plural e, acima de tudo, mais respeitoso.
Podemos começar a aceitar melhor festivais que tenham metal e emo (ou outros estilos mais leves) juntos, pensando só na valorização do rock em si.
Neste espírito, indico a seguir alguns clássicos do emocore, tanto nacional quanto internacional, que valem a tentativa:
Welcome to the Black Parade – My Chemical Romance
Dear Maria, Count me In – All Time Low
Perfect – Simple Plan
Sugar We’re Going Down – Fall Out Boy
Misery Business – Paramore
I Write Sins Not Tragedies – Panic! At the Disco
The Kill – Thirty Seconds to Mars
Quebre as Correntes – Fresno
Razões e Emoções – NxZero
1997 – Hateen
Fluxo Perfeito – Strike
Ainda aproveito para recomendar uma banda daqui de Curitiba chamada Everside. A banda, formada em 2018, reformula a sonoridade emo para os ouvidos atuais e é uma ótima dica para quem quer conhecer bandas menores do subgênero.