No último sábado, 21, outro disco clássico completava mais um ano “de vida”. Se esta semana, eu publiquei uma resenha sobre os 26 anos de Countdown To Extinction, hoje, escreverei sobre outro clássico que foi lançado há 47 anos: Master Of Reality.
Não me considero digno de escrever uma resenha sobre um disco do Black Sabbath, pois pode parecer uma cilada, mas deixarei a minha pequena significância (comparada à importância deste clássico) de lado e tentarei tecer um texto sobre ele.
Eu nem era nascido e o quarteto de Birminghan já estava no seu terceiro full-lenght. Se no debut auto-intitulado, o Black Sabbath “assombrou” o mundo com aquela mistura insana de blues com um peso jamais visto para a época (o long play de estreia rendeu à banda presença no top 30 dos Estados unidos), o segundo disco, Paranoid, teve seu single (a faixa título) figurando entre o top 5 britânico, consolidando a banda como a “next in line”. Além disso, os dois primeiros lançamentos estavam entre os 20 álbuns mais vendidos em sua terra natal e os frutos estavam sendo colhidos, com turnês por toda a Europa e América do Norte.
E foi com todas essas “good vibes” que Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward, entraram no “Island Studios”, em Londres, acompanhados do produtor Roger Brain e do engenheiro de som Tom Allow (ambos haviam participado dos dois primeiros lançamentos da banda). A banda já tinha duas músicas prontas (ou quase), as quais já eram presença certa no set list da última turnê no mês de Janeiro daquele ano de 1971: After Forever e Into The Void, esta última, se chamava Spanish Sid.
Então, uma vez no estúdio, a banda iniciou o processo de produção e gravação. Se no primeiro álbum, eles tiveram 48 horas para produzir, gravar e mixar e em paranoid eles tiveram 5 dias, em Master Of Reality, foram dois meses, o que era uma novidade para a banda. Se em tão pouco tempo em estúdio, saíram dois álbuns maravilhosos, o que poderíamos esperar em dois meses de espera? Chover no molhado, outro clássico.
Em 34 minutos e apenas 8 faixas (se desconsiderarmos as intros “Embryo” e “Orchid”, são apenas 6 músicas, de fato), o Black Sabbath mais uma vez inovou em seu som. Primeiro, com a mudança na afinação na guitarra de Iommi (ele abaixou três semitons e tocou de forma mais suja), fato que foi acompanhado por Geezer em seu baixo, em algumas músicas, o que deu um ambiente mais sombrio às composições. Se a mãe das mães das bandas de Heavy Metal tinham criado o estilo, agora neste terceiro álbum, eles se responsabilizavam pela criação de mais vertentes dentro do próprio Heavy Metal: O Doom e o Stoner, mesmo que eles não tivessem consciência disso na época.
A abertura se dá com Sweet Leaf, uma música que combina o peso do Metal com as pegadas do que viria a se tornar o Stoner, além do psicodelismo das guitarras e um Bill Ward provavelmente em sua melhor performance na banda. A tosse no início da música é de Tony Iommi, que se engasgou próximo ao microfone após dar uma tragada num cigarro de maconha, enquanto as fitas de gravação rolavam entre uma e outra música. O engenheiro de som “achou” a tossida e sugeriu a Ozzy que eles a utilizassem, o que foi prontamente aceito pelo “madman”. E o que ficou mais interessante é que a tossida caiu como uma luva, pois a letra fala sobre o uso da “erva do capiroto”. O nome, veio de um maço de cigarros que Geezer havia comprado na Irlanda e na embalagem estava escrito “it´s the sweetest leaf that gives you the taste” (é a folha mais doce que te dá sabor – em tradução livre). Honestamente, a minha música favorita de toda a carreira do Black Sabbath.
A música seguinte é After Forever, que confesso, a conheci através de uma excelente versão, mais moderna, tocada pelo Biohazard, isso lá nos anos 90. Curioso que sou, fui buscar a versão original, que claro, é muito melhor pela sua crueza. Aqui temos Heavy Metal puro e cristalino em letra que trata do cristianismo, porém, na época, a banda foi acusada de blasfêmia. Ótima canção. A música inspirou o nome da extinta banda holandesa em que Floor Jansen (atual Nightwish) era vocalista.
A faixa três é uma pequena intro, Embryo, um tema macabro que serve como ponte para a faixa seguinte…
…Um clássico chamado Children Of The Grave. E aqui Tony Iommi dá as cartas com seus riffs certeiros, em letra que trata do sentimento anti-bélico, falando sobre crianças que são enterradas vivas. Aspas para Bill Ward: “Quando começamos a tocar esta música na tour pelos EUA, os veteranos da guerra do Vietnã estavam voltando para casa e muitos deles iam aos shows de cadeiras de rodas, chegavam perto do palco, erguiam suas bandeiras e cantavam junto. Era muito emocionante”. Vale lembrar que o White Zombie gravou esta música para o tributo ao Sabbath, Nativity In Black e mesmo eu não gostando da banda de Rob Zombie, eles não decepcionaram, mas fica a pergunta: que artista consegue estragar uma música do Black Sabbath?
Orchid é outra intro, onde Iommi prova que nem só de riffs o “pai” vive. Aqui ele consegue mostrar um dedilhado perfeito no violão e que nos dá aquela sensação de paz. Uma ótima ponte para a música que vem a seguir…
…Lord Of This World chega e essa é maravilhosa, que traz o peso da guitarra mesclado com a pegada Stoner descrito lá em cima, na primeira música. A boa performance vocal de Ozzy também dá as caras por aqui. A letra trata de temas demoníacos e possessão de inocentes, uma especialidade de seu compositor, Geezer Butler, que já abordava o tema desde o debut da banda. Essa é outra que eu conheci através do Nativity In Black, tocada pelo Corrosion Of conformity, uma banda pela qual eu não morro de amores, mas que me chamou atenção também lá nos anos 90 para as maravilhas que o Black Sabbath fazia 20 anos antes. Um dos pontos altos deste disco.
Solitude é a penúltima música do álbum e trata-se de uma música mais calma, na mesma linha de Planet Caravan (presente no álbum anterior). A letra trata de solidão. Não é ruim, mas está abaixo das demais faixas. Talvez tenha sido colocada ali propositalmente, para acalmar um pouco o ouvinte, pois o melhor estava por vir…
…E fechando com chave de ouro, Into The Void, uma música que, em minha modesta opinião, tem o riff mais espetacular e que jamais foi igualado por nenhuma banda e/ou guitarrista. Essa música mostra, pelo menos antes de seu refrão, porque a banda é aclamada como sendo também a mãe do estilo Doom. O peso, a levada bem arrastada e a rapidez do refrão (penso eu que esta provavelmente tenha sido a música que inspirou aquele nosso “mosh”, nos shows). Confesso que me arrepiei, ao assistir ao vivo, em 2013, a banda (mesmo sem Bill Ward na batera, sendo substituído pelo competentíssimo Tommy Clufetos, que tocou demais naquela noite) executar esse clássico. A letra fala sobre poluição e a forma como o homem se mata com suas próprias criações. Bem atual, não é mesmo? A preocupação com o meio ambiente e o planeta autossustentável já era preocupação da banda há 47 anos atrás. E há quem diga que as bandas de rock são todas satânicas…
Master Of Reality vendeu mais de um milhão de cópias antecipadamente, teve seu lançamento em julho de 1971, nos EUA, onde ficou em oitavo lugar nas paradas e por 43 semanas figurou entre os discos mais vendidos. Em agosto, a terra natal da banda conheceu o terceiro álbum, onde alcançou o top 5. Aqui em terras tupiniquins, o lp foi lançado no mesmo ano (ao contrário do que eu afirmei que o disco saiu aqui em 1976, no post original – alertado por um prezado leitor, corrigi a informação). Existe uma versão do álbum com as letras coloridas na capa, o que dificilmente convenceria um fã a comprar, caso ele não conhecesse a banda.
Uma curiosidade é que durante as sessões de gravação, a banda gravou contra a sua vontade, uma faixa chamada Weevil Woman ’71‘, que sairia como single de estreia. Mas a faixa ficou de fora do lançamento oficial e ficou guardada até que foi lançada uma versão dupla e expandida do álbum, o que aconteceu somente no ano de 2009.
Este disco rendeu uma turnê de 14 meses onde tocaram exaustivamente. Além disso, como dissemos no início do texto, influenciou (e ainda influencia) diversas bandas, foi responsável pela criação de alguns sub-gêneros do Heavy Metal e tem um legado enorme dentro do estilo. Claro que há os que não gostam nem do álbum, nem da banda, mas para estes, eu vos digo: Nada disso que eu, você e todos nós curtimos em nossos tempos contemporâneos existiria se não fosse o Black Sabbath. Você pode até não gostar, mas tem que respeitar e colocar a banda no pedestal, pois foram eles quem criaram isso tudo. E eu pude vê-los ao vivo, com este remorso eu não morrerei.