O primeiro Rock In Rio, em 1985, foi um evento antológico e divisor de águas em nosso país. A ideia original era engatar logo uma segunda edição, mas questões políticas e de logística deixaram o projeto na geladeira até 1991, seis anos depois, uma eternidade naquele período.
De longe, eu acompanhava quais as atrações que iria assistir pela televisão, dada a minha impossibilidade de deslocamento à época. O cast internacional que aos poucos ia sendo descortinado era grandioso: Judas Priest, Queensryche, INXS, Guns’n’Roses, A-Ha, Billy Idol, Megadeth e Faith No… Quem???
Ah, os tempos pré-internet!!! O álbum “The Real Thing”, base do show realizado no festival brasileiro, já havia sido lançado há um ano e meio de antecedência, mas ainda era um ilustre desconhecido em nosso território. O LP chegou nas prateleiras buscando aproveitar a empolgação dos shows para alavancar suas vendas e foi uma aposta acertada. O Faith No More foi a revelação do evento, tendo realizado um dos shows mais comentados e até hoje lembrado, impulsionando o disco por aqui e criando uma legião de fãs. A MTV também foi fundamental nesse processo, pois massificou a exibição dos clips de “Falling To Pieces”, “Epic” e “From Out Of Nowhere” e, pouco tempo depois, a banda retornaria para uma turnê própria por várias capitais brasileiras.
“The Real Thing”, embora pertença cronologicamente a década anterior, é uma espécie de disco arauto, antecipando o que seria o Rock no começo dos anos 90, tempos de Jane´s Addiction, Living Colour, Primus, The Breeders e do estouro do Red Hot Chili Peppers. Para a banda, representava uma guinada impulsionada pela troca de vocalista, com a substituição de Chuck Mosley por Mike Patton. O californiano vinha da experimental Mr. Bungle e estreou no que seria o terceiro álbum do Faith No More. Dono de uma performance completamente imprevisível e alucinada, Patton era o frontman mais improvável que você poderia esperar e utilizava seus recursos vocais sem limitações, indo dos urros aos sussuros.
Tudo cabia naquele caldeirão! Metal, Punk, Hip Hop, Jazz, Progressivo, Pop, Funk… Uma mistura que encontrava coerência apenas na formação da banda, uma união de indivíduos tão díspares entre si que não se imaginaria jamais que poderiam tocar juntos, mas que eram controversialmente funcionais e, por participarem todos do trabalho de composição, conseguiam equilibrar as característica de cada um dentro da fórmula. O produtor Matt Wallace já havia colaborado com o álbum anterior e prosseguiu junto ao quinteto nos anos seguintes, devendo receber os méritos por dar coerência a um repertório tão diversificado.
Falar das canções é vislumbrar o amálgama do peso de Jim Martin e Mike Bordin, com o balanço de Billy Gould e as inserções épicas de Roddy Bottum. Por cima de tudo, Patton indo em todas as direções. Singles à parte, merecem destaque o ataque de “Zombie Eaters”, a melodia radiofônica de “Underwater Love”, as variações de “The Morning After” e a catarse aniquiladora da instrumental “Woodpecker From Mars”. Contrariando a expectativa do mercado, o disco seguinte não pegaria carona no seu sucesso e iria apontar para uma direção totalmente oposta, mas com resultados tão bons quanto. “Angel Dust” retomaria o papel de arauto e seria o pontapé de algumas outras próximas tendências. O Faith No More olhava para os pontos que estavam além das curvas e “The Real Thing” já tinha cumprido seu papel no contexto da música popular.
Formação
Mike Patton – vocal
Bill Gould – baixo
James Martin – guitarra
Mike Bordin – bateria
Roddy Bottum – teclado
Músicas
01 From Out of Nowhere
02 Epic
03 Falling to Pieces
04 Surprise! You’re Dead!
05 Zombie Eaters
06 The Real Thing
07 Underwater Love
08 The Morning After
09 Woodpecker from Mars