O Gothic Metal foi um dos filhos paridos pelo Doom Metal nos anos 90. Prototizado pelo Celtic Frost ainda nos ano 80, sacramentado pelo Paradise Lost no álbum que batiza o estilo em 1991 e lapidado por bandas como Theatre Of Tragedy na metade dessa década, o gênero começou a ser desbravado em nosso país pelo Silent Cry, na mesma época. Depois de vinte anos, o Metal Gótico ainda é pouco explorado por aqui, assim como o Doom Metal em geral. Mas as bandas que se aventuram pela música lenta e orquestrada vem batalhando a cada dia para mudar ao menos um pouco este paradigma, contando com a ajuda de publicações especializadas que fomentam e respaldam a cena. O Les Mémoires Fall, banda fundada em 2011, vem se destacando no cenário Gothic/Doom em nosso país e seus trabalhos estão sendo lançados também no exterior. Em conversa com Fábio Miloch, o líder da banda, Emerson Mördien, relata a história e as inspirações do Les Memóires Fall, fala do apoio que a cena vem ganhando e dá sua visão de Doom Metal. Confira:
A Les Mémoires Fall surgiu em 2011 e já ano seguinte lançou o Split junto ao Lúgubres. Fale sobre a trajetória da banda e como surgiu a ideia da parceria entre as bandas.
Emerson Mördien: Obrigado Fabio Miloch e Roadie Metal pelo espaço para falarmos sobre a Les Mémoires Fall! A Les Mémoires Fall é uma banda relativamente nova, fizemos 6 anos em abril desse ano e pensando em tudo o que passou creio que foram anos de muita aprendizagem, onde tivemos muitos momentos bons e outros nem tanto, como a constante troca de integrantes, que acaba atrapalhando um pouco o seguimento de uma banda. Também passeamos por diversas vertentes dentro do nosso Doom. Gothic, Death, Black, mas sempre com um som característico. O split surgiu de uma conversa minha com o Robson pelo Facebook em 2012. Ele queria lançar um play com a banda dele e me sugeriu a ideia de fazer um split para unir forças. Começamos a trabalhar na ideia e em alguns meses estava pronto o split. Cada banda e responsável por 3 músicas. Do nosso lado foram Deception, My Death e Tears, que foram as primeiras composições que fiz para a Les Mémoires Fall ainda em 2011. A capa pouca gente sabe mas quem fez foi a Alicya Haze, que na época era a tecladista da banda. Esse split nos abriu muitas portas! Muita gente teve o primeiro contato com a LMF por esse split.
Ter banda no Brasil não é algo fácil, muito menos para banda autoral e Les Mémoires Fall se dedica ao Doom Metal, que possui um grupo bem seleto de fãs, com o surgimento da União Doom Metal BR e o lançamento da coletânea Doomed Serenades, as bandas passaram a ter mais visibilidade. Como você a cena Doom nacional, o que melhorou e o que ainda pode melhorar?
Emerson: Realmente a Uniao Doom Metal e as 2 edições da Coletanea Doomed Serenades abriram muitas portas para o Doom Metal nacional e muitas bandas novas apareceram desde então, o que é ótimo para cena Doom Nacional. Vejo o Doom no Brasil com bandas muito boas e que merecem mais destaque. Bandas que não devem em nada as gringas. Ainda temos boas iniciativas como a do Rafael Sade com seu canal no Youtube, a Last Time, mas acho que caiu muito em questões de eventos. Vejo muito poucos propriamente de Doom rolando no pais. Normalmente rolam mais em São Paulo. Mas no pais temos ainda muito poucos eventos. Acho que falta mais esse intercâmbio entre as bandas, o que só ajuda a cena a crescer.
As influências da banda vão de My Dying Bride a The Gathering, passando por Tristania, Anathema e Katatonia. Até onde se estende essas influências na hora de compor material próprio?
Emerson: Existe uma salada musical na LMF (risos)! Por que gostamos não apenas de Doom Metal, gostamos de heavy metal no geral e também gostamos de Rock no geral. Eu posso colocar um cd de Black Metal, mudar para um de Punk Rock e depois Power Metal em questão de minutos (risos)! Na LMF tentamos seguir um padrão que e o Doom Metal e incorporar outras estilos que achamos que tem a ver com o Doom. Então e fácil encontrar em nossas sons do split, do full e do EP estilos com Death, Black, Gothic, Funeral e Stoner, tudo ali no meio da sonoridade característica da banda. Estamos passando por mudanças agora e logo virão coisas novas, assim como novas sonoridades!
A música River of Pain saiu como single em 2013 e em 2014 integrou o primeiro trabalho completo da banda, o maravilhoso Endless Darkness of Sorrow. Como foi o processo de composição dela?
Emerson: Essa foi a primeira música que compus para o “Endless…” Ela e basicamente um Funeral Doom com belas passagens de guitarra e um ótimo vocal da nossa antiga vocalista Naimi Stephanie, hoje na banda BrightStorm. River Of Pain também e a música mais longa do álbum e por ser bem diferente das outras, eu justamente quis colocá-la já como faixa de abertura. Um choque para a galera tendo em vista que as músicas do split tem uma pegada mais Gothic/Doom e são mais curtas! É uma faixa que gostamos bastante e sempre esteve em nosso set list a partir de 2013!
O disco Endless Darkness of Sorrow soa honesto e verdadeiro sob os mais diversos aspectos. Como foi o processo de composição e gravação?
Emerson: Foi um processo lento, que nos trouxe muitos aprendizados, já que era o primeiro full que estávamos gravando na vida. Então foi muito prazeroso ver o trabalho final e temos muito orgulho desse trabalho. Eu comecei a compor o CD mais ou menos em fevereiro de 2013 e até pela inexperiência, fomos compondo cada música e gravando em seguida. Não ouve uma pré-produção em estúdio ou algo assim. Compusemos as ideias, nos juntamos em alguns ensaios na casa do Buzz, um amigo nosso, só com voz e guitarra, e dali foram saindo as músicas! Muita coisa criamos já na hora de gravar, e tivemos o excelente trabalho dos nossos produtores Niko Teixeira e Luiz Amadeus, que gravaram as baterias e guitarras respectivamente. Sem eles e sem a paciência deles, não teríamos conseguido um trabalhado tão honesto como você mesmo disse da LMF. O processo de composição e gravação do álbum todo levou uns 6 meses para ficar pronto e mais 5 meses para o cd realmente ser lançado. Olhando hoje, vejo que fizemos o melhor que podíamos naquela época. Não tínhamos muita experiência e ainda assim com muita garra colocamos o CD na praça que foi muito aclamado não só no Brasil mas fora do pais. O CD saiu por 8 selos no Brasil e por um selo na Rússia.
Como se deu a entrada da Alicya Haze e quais benefícios ela trouxe para banda?
Emerson: A Alicya já era conhecida do pessoal que acompanha a banda desde o início pois ela era a tecladista da banda. Quando nossa ex-vocalista Naimi decidiu sair da banda para se dedicar apenas a BrightStorm, isso em dezembro de 2013, aconteceu naturalmente a transição da Alicya do teclado para a voz. Ela já estava se dedicando ao canto fazia um tempo e como tínhamos uma tour a fazer no sul, que acabou sendo excelente, o melhor que podia acontecer e mais natural era colocá-la no vocal. Ela tem um alcance legal na voz e tem um vocal grave muito bom, o que trouxe novas possibilidades para a banda. Gravamos 2 músicas próprias com ela: Hopeless e Take Everything To Me, que saiu no EP Dying Dried de 2016, que são bem diferentes do que fazíamos nos trabalhos antigos e que teve um trabalho instrumental muito melhor. Ela também gravou a versão que lançamos do Mayhem para Freezing Moon. São 2 versões: uma só com gutural que eu faço e outra onde ela também arrisca no gutural e ficou bem interessante. Para muitos isso será uma novidade, mas ela já não faz mais parte da banda. A saída dela se deu devido a mudanças no som da LMF que já não encaixaria na proposta de ter um vocal feminino. Isso e um adiantamento de algo que vira em breve.
A letra do single Take Everything From Me, fala sobre estupro, abuso e traumas decorrentes e é creditada a Alicya. Esse tema é incomum ao Doom Metal. Fale sobre a música é a letra em questão.
Emerson: Sim, realmente a ideia foi trazer um assunto que é grave e que e não e abordado no Doom. Alicya veio com essa letra e achamos que poderia ser interessante já que é um fato que infelizmente vemos todos os dias na TV. Alicya poderia dar uma visão melhor sobre a letra e as colocações mas infelizmente ficaremos com esse mistério (risos)! A música foi composta pelo nosso guitarrista Alessandro Grou, que veio com umas ideias de riffs e pensamos de fazer algo meio stoner com a Alicya cantando com sua voz mais grave no refrão. Acho que o trabalho ficou bem interessante e é uma música muito boa também, assim como a Hopeless. Infelizmente só a tocamos ao vivo uma única vez. Tivemos um pouco de problema nesse período em relação a forma como seriam lançadas. Em princípio elas seriam apenas para disponibilizar na internet, depois tivemos a ideia de lançar em CD mas por inúmeros motivos nunca deu certo e acabamos deixando pra lá mesmo. O registro está no Youtube e breve vai para o bandcamp!
Emerson, caso você possa, cite 5 álbuns fundamentais do gênero na sua opinião com breves comentários sobre os mesmos.
Emerson: Citarei primeiro o nome do play e depois farei um comentário.
1- Silent Cry – Remembrance
Esse álbum junto com outras grandes canções do Silent Cry que me fizeram criar a LMF em 2011. A atmosfera que ele passa quando se escuta e incrível. Minhas favoritas são Celestial Tears e Innocence. Silent Cry e uma banda que eu respeito muito e felizmente pude assisti-los ao vivo em 2014 no Roça n’ Roll.
2- My Dying Bride – The Angel and The Dark River
Conheci My Dying Bride por um som chamado For My Fallen Angel que quando escutei bateu fundo lá na alma. E o primeiro álbum que peguei para escutar foi o Angel and The Dark River. Para mim esse álbum e perfeito do início ao fim. Aaron cantando muito, a atmosfera, os trabalhos das guitarras, tudo é magistral. Minhas favoritas são Black Voyage e a magnífica Two Winters Only. Felizmente é uma banda que nunca me decepcionou e que ainda quero ver muito ao vivo! Espero que seja logo!
3- Katatonia – Dance of December Souls
Para mim o melhor trabalho do Katatonia. Uma pena que tenham mudado tanto o estilo. Para mim depois do Brave Murder Day a banda acabou. Mas enfim! Esse álbum é perfeito do início ao fim! Tem um trabalho incrível de guitarras e baixo. Uma atmosfera sufocante de almas que vagam por aí. Esse CD e uma obra prima! Minhas faixas favoritas são Gateways of Bereavement e a melhor de todas, In Silence Enshrined, que tem um riff matador. Grande álbum!
4- The Gathering – Mandylion
Sei que vai ter um monte de gente falando que esse álbum não e Doom assim como o próximo que irei citar mas não importa, para mim ele e Doom e pronto (risos)! Esse álbum eu ouvia demais quando a LMF começou! Ainda ouço e curto demais. Primeiro álbum com a melhor vocalista que existe que é a Anneke van Giersbergen, uma atmosfera única, viajante e triste, com algumas partes mais agitadas como em Strange Machines. Esse para mim é um dos meus álbuns de cabeceira junto com o outro play maravilhoso do The Gathering, o Nightime Birds. Esses 2 albuns para mim foram o ápice do The Gathering! Que chegou a lançar outros ótimos materiais mas não no mesmo nível desses dois. Minhas canções favoritas são Sand and Mercury e a minha favorita do The Gathering até hoje: In Motion #2. Perfeição!
5- Alcest – Souvenirs D` Um Autre Monde
Ok, esse álbum também vão falar que não é Doom, mas não importa, para mim é. Toda a atmosfera, clima e melancolia que são transmitidas das faixas são maravilhosas. É um outro CD de cabeceira que fiz questão de comprar o vinil quando fui na Franca em junho deste ano. Eu curto demais esse play e lembro que a primeira vez que escutei achei o play fantástico, de algo que eu nunca tinha escutado antes. Sempre achei que eles foram pioneiros fazendo o que faziam. Muitas bandas hoje em dia tentam copiá-los. O que é bom, vindo de uma banda como o Alcest! Esse CD eu poderia citar que todas as músicas eu gosto muito, mas para citar uma eu falaria “Ciel Errant”.
Vasculhando o YouTube vi a banda fazendo um cover bem sacado para “Countess Bathory” do Venom, e em 2016 a banda disponibilizou sua releitura bem pessoal para a também clássica “Freezing Moon” do Mayhem. como funcionou a escolha dessa música em questão para o cover?
Emerson: A LMF desde o início sempre priorizou fazer músicas próprias! Mas como a gente também queria tocar ao vivo, colocamos alguns covers para preencher o repertorio. No início tocávamos “Strange Machines” do The Gathering, “December Elegy” do Tristania e “Countess Bathory” do Venom, que e uma música que eu particularmente gosto bastante, e como a ideia na LMF sempre foi mesclar com outros estilos, achei que seria legal tocar esse som. Logo após tocamos “The Fever Sea” do My Dying Bride em um show e chegamos a tocar em ensaio a “Whatever That Hurts” do Tiamat, mas nunca a tocamos ao vivo. O último cover que tocamos ao vivo foi “Enter” do Within Temptation e aí decidimos não tocar mais covers, já que a prioridade são as músicas da banda. A versão da Freezing Moon era pra ter saído num tributo ao Mayhem que uma gravadora se não me engano da Costa Rica queria fazer. Eu sempre fui fã dessa música e curto muito o “De Mysteriis Dom Sathanas” (debut do Mayhem de 1994). Então foi fácil escolher essa música. Acabou que o tributo nem saiu, mas como tinha ficado tão legal, decidimos lançar. Gostaria um dia que alguém do Mayhem ouvisse essa nossa versão. É uma versão apenas! Amamos a música eu diria a eles: “não nos matem” (risos)!
Como você vê a cena atual? O próprio underground está crescendo e revelando ótimas bandas a todo momento. Sob esse prisma, o que podemos esperar do Les Memoires Fall e quais serão os próximos passos da banda?
Emerson: Como eu disse, temos excelentes bandas no Brasil! Não só no Doom mas no Metal em geral. Cada dia sai um baita novo álbum de uma banda brazuca detonando por ai e isso me deixa muito feliz. Como sempre digo: Não devemos nada aos gringos! O que eu sempre acho e que falta mais integração entre as bandas, uma apoiar mais as outras. Esse lance de competição e de uma banda querer ser melhor que a outra não ajuda em nada! Estamos tudo na mesma merda tentando algum pequeno espaço que seja para mostrar nosso trabalho. A LMF passou por um período de mais ou menos 1 ano de inatividade. Desde que me mudei para a Argentina, as coisas complicaram um pouco para a banda, já que fica difícil querer ensaiar e tocar, mas em nenhum momento a banda acabou. Só ficou ali em segundo plano devido a vida de cada um. Mas depois que voltei de férias da Europa com minha esposa depois de ir em vários shows e festivais e ver tanta coisa foda rolando, me deu vontade de voltar a ativar com a LMF e o resultado disso vocês poderão ver e ouvir em breve! Um grande abraço a todos e Stay Doom!