Imagens e colaboração: Jerônimo Pires (Blitz Metal) e banda Ankerkeria
É inestimável a força que o público underground tem para levar a própria cena underground para frente. Quando bandas, organizadores, parceiros que possuem condições logísticas-financeiras, divulgadores e público se unem em um prol comum, pode ter certeza que qualquer evento ou ação planejados não terá impacto menor que satisfatório. E qualquer uma destas partes tem a sua contribuição essencial a fim de que os planos resultem em sucesso.
Senão, vejamos: uma modalidade de shows que vem crescendo e tendo muita aceitação no meio underground nacional é o de ensaio aberto. Bares e estúdios cedem seus espaços e equipamentos para que bandas possam possam fazer uma apresentação para o público. Em geral, tais apresentações têm mesmo um aspecto de ensaio, como o nome sugere. Um erro de algum músico ou mesmo uma música que precise ser reiniciada se torna a coisa mais normal do mundo. E, devido ao espaço diminuto, o número de pessoas presentes é resumido, mas o evento ganha em proximidade entre público-banda: os músicos tocam mesmo no meio da galera reunida, de modo que a interação entre ambas as partes é tão grande que as transformam em uma energia só. O calor do público contagia a banda, que devolve esta energia em forma de uma apresentação com mais ânimo e atitude.
Em Fortaleza, por exemplo, quase toda semana acontece um evento do tipo. Estúdios como Esconderijo, na Av. João Pessoa, Doppler, no bairro de Fátima, Complexo Ktorze, no bairro Benfica, Espinha de Peixe, no Centro e o do Underground Bar, no bairro Monte Castelo, abrem suas portas para que os organizadores tragam suas bandas convidadas para fazer um som junto, bem junto, de seus fieis públicos. Nas palavras de Jorge “Matagato”, membro das bandas Faixa De Gaza, Visceral Clímax e Total Desprezo, um veterano da cena Hardcore/Grindcore de Fortaleza, os ensaios abertos trazem a oportunidade de pessoas que até mesmo nunca puderam prestigiar a apresentação de bandas ao vivo de poderem estar presentes, com preços módicos e fácil acesso a material dos grupos. Além de dar espaço para novas bandas de poderem se apresentar junto de bandas veteranas. Assim sendo, há uma gigantesca interação entre público novato e público “das antigas”, bandas novas e bandas de estrada, além dos ganhos mútuos entre público e banda. Desta forma, a cena se fortalece em união, troca de experiências, otimismo e novas parcerias para eventos futuros. É, de fato, uma roda!
Outra vantagem que o ensaio aberto oferta é a facilidade de acesso devido a datas, horários e preços. Em geral, tais eventos ocorrem em finais de semana, começando no fim da tarde e se encerrando no máximo onze da noite. Assim, quem mora em bairros mais distantes, ou mesmo em municípios vizinhos, e depende de transporte público para se locomover, tem esta nova possibilidade de se fazer presente nos eventos da cena em que está integrado. O preço então, nem se fala! Quando o ensaio aberto não é gratuito, sua entrada é de valores ínfimos, de no máximo R$ 5,00. Ou seja, abre-se portas até mesmo para quem não dispõe de tantas condições financeiras e não consegue estar sempre presente em eventos que cobram preços mais altos. Se as condições permitirem, aproveita-se o momento para se reunir com os parceiros e tomar a velha alcoólica.
Para os estabelecimentos, é uma chance de alavancar ainda mais seu espaço e fazer crescer seus lucros. O nome do bar é mais divulgado, e os estúdios ficam mais conhecidos. Fecha-se parcerias entre estúdio e bandas para o aluguel do espaço para ensaios propriamente ditos. É aí que entra o papel dos divulgadores. Websites, programas, zines e fã-pages de redes sociais fazem o papel de espalhar o ensaio aberto através de seus canais, atraindo público e fazendo crescer o nome de quem faz a roda girar.
Vários destes detalhes aqui elencados também fazem parte do ponto de vista de Jeff Mosh, vocalista e baixista da banda de Thrash Metal Sodor e um dos organizadores de ensaios abertos em Fortaleza. De acordo com ele, shows não precisam ser feitos somente em lugares grandes e abertos, mas também em lugares pequenos, no que acaba se tornando a encarnação do underground. Lugares pequenos e baratos atraem o público sedento por Heavy Metal, lotando os espaços destinados aos ensaios, além de fortalecer a divulgação e o fechamento de parcerias. Jeff resume que o saldo é sempre positivo e que todo mundo sai ganhando.
Mas há quem enxergue ressalvas com relação a ensaios abertos, como por exemplo Alessandra Castro, baixista das bandas Ankerkeria e The Knickers. Segundo a musicista, ela adora e se fascina pela proximidade entre público e banda que este tipo evento proporciona, além da troca de energia entre as partes e do calor humano, algo que ela chama de “banho de sangue”! Todavia, muitas pessoas em um espaço muito pequeno pode gerar alguns problemas, como algum fã pisar nos cabos ou nos equipamentos durante um mosh. Também, dependendo da posição do músico, possa ser que ele não escute bem seu instrumento ou o do companheiro, devido a posição dos alto-falantes. Victor Valentine, guitarrista também do Ankerkeria, uma tradicional banda cearense de Death Metal, pontua que o público de ensaios abertos precisa ter consciência de que, apesar de ser aberto para as pessoas, é um ensaio, onde a banda precisa fazer vários ajustes ou mesmo se entrosar com um novo integrante. Então poderá acontecer erros e músicas precisarão ser reiniciadas. Apesar das ressalvas, ambos concordam e apoiam as iniciativas do tipo. Alessandra, inclusive, garante que quer participar mais de ensaios abertos e ver mais banho de sangue entre público e banda.
De fato, se a empolgação de um grupo de fãs é inversamente proporcional à área de um estúdio de espaço ínfimo, poderá sim ocorrer prejuízos. Pessoas alçadas ao teto forrado de um estúdio já ensejou intervenção por parte de organização de um ensaio aberto, pedindo que as pessoas se acalmassem um pouco e tivessem cuidado com o equipamento e a iluminação.
Então, eis que temos uma nova alternativa para fazer alavancar o underground. Bastando então que pessoas que tenham condições e contatos deem o pontapé inicial, para que o público, que é o verdadeiro patrão das bandas e a força-motriz dos eventos, chegue junto e faça valer o seu papel de apoiador. Temos várias pessoas com sangue nos olhos e vontade de fazer o Metal crescer ainda mais nas cidades. Cada um fazendo sua parte, sem egos avantajados ou interesses próprios em primeiro lugar. Todo mundo é beneficiado.
https://www.youtube.com/watch?v=SqM_eSmHp0s