“Eu só tive um desejo desde que nasci, ver meu corpo rasgado e despedaçado.”
“Ela era tão linda, tive de matá-la.”
A frase que abre este texto é um trecho da letra de “Eaten”, dos suecos do BLOODBATH, enquanto que a segunda frase, é de um clássico dos estadunidenses do CANNIBAL CORPSE, “Striped, Raped and Strangled“. E na semana em que um terrível ataque na escola estadual Raul Brasil, em Suzano, SP, na última quarta-feira, 13, protagonizado por dois idiotas que ceifaram vidas inocentes, levantou um debate, tendo em vista que os dois assassinos eram adeptos de jogos violentos e até que ponto este hábito pode influenciar, de fato, na vida real das pessoas.
Pesquisadores do laboratório de música da Universidade Macquarie, em Sidney, Austrália realizaram um estudo com base nas letras macabras das bandas de Death Metal e o resultado foi publicado no mês de março no periódico Open Science, da britânica Royal Science. E a conclusão foi de que, os apreciadores deste estilo, em via de regra, não são pessoas insensíveis a imagens violentas.
O professor da universidade em questão, Bill Thompson,deu a seguinte declaração:
“Os fãs de Death Metal são boa gente (risos). Eles não vão sair por ai machucando pessoas pelo fato de escutarem esse tipo de música.”
O trabalho é parte de uma pesquisa que se estende por décadas conduzida pelo cientista com alguns colegas sovre os efeitos emocionais da música. Esse impacto, pondera ele, é complexo.
“Muita gente gosta de música triste, e isso é uma espécie de paradoxo, por que desejaríamos ficar tristes? A mesma lógica pode ser aplicada para músicas agressivas ou a temas violentos. Para nós, é um paradoxo psicológico – então (como cientistas) nos desérta a curiosidade, inclusive porque reconhecemos que a presença da violência na mídia é um tema socialmente importante.”
E como cientistas testam a sensibilidade das pessoas à violência?
Eles fazem isso por meio de um experimento psicológico clássico que investiga respostas dadas pelo subconsciente – feito, no caso, com fãs de Death Metal. Nos testes, 32 apreciadores do gênero e 48 pessoas que não o ouviam habitualmente tiveram de escutar o material enquanto olhavam para as imagens bem desagradáveis.
Yanan Sun, também entre os coordenadores da pesquisa, explica que o objetivo do experimento era medir em que nível do cérebro dos ouvintes observavam as cenas de violência e comparar como sua sensibilidade era afetada pela trilha sonora.
Para verificar o impacto de diferentes tipos de música, eles utilizaram uma canção que consideravam o oposto do que a mensagem de “Eaten” representava. E Sun disse que música foi utilizada como contraponto:
“Utilizamos Happy, de Pharrel Williams.”
Os ouvintes ouviam uma ou outra faixa enquanto lhes eram mostrados duas imagens – uma para cada olho. Uma exibia uma cena violenta – alguém sendo atacado na rua , por exemplo. Outra mostrava algo inofensivo, como um grupo de pessoas caminhando pela mesma rua da primeira foto.
Sun explica como o teste estimula as pessoas:
“É o que chamamos de rivalidade binocular. Esse teste psicológico tem como base o fato de que a maioria das pessoas, quando estimulada com uma imagem neutra em um olho e uma violenta em outro, se concentra mais na segunda.”
O Professor Thompson completa a explicação da colega:
“O cérebro vai tentar processar (aquela informação) – presumivelmente, existe uma razão biológica para isso, porque seria uma ameaça. Se os fãs de música violenta estivessem dessensibilizados à violência – que é o que preocupa grupos de pais, de religiosos e censores -, eles não apresentariam o mesmo viés (que os fãs não participantes do estudo). Mas eles apresentaram exatamente o mesmo viés em relação ao processamento das imagens violentas.”
E o que o BLOODBATH, banda diretamente ligada ao estudo pensa sobre isso tudo? Nick Holmes, vocalista, soltou a seguinte declaração à BBC News:
“Nós não temos nenhuma relação com isso. As letras são uma diversão inofensiva, como o estudo comprovou. As nossas músicas são basicamente uma versão em áudio de um filme de terror dos anos 80. A maioria dos fãs de Death Metal é formada por pessoas inteligentes, ponderadas, que por acaso têm uma paixão pela música, é o equivalente às pessoas obcecadas por filmes de terror ou mesmo pela reencenação de batalhas. “
E por que a pesquisa é importante?
O professor Thompson afirma que as conclusões do estudo devem ser vistas como um instrumento para tranquilizar “pais e grupos religiosos” que têm preocupações a respeito de músicas violentas.
De forma mais ampla, ainda há temor de que a violência na mídia possa ocasionar problemas sociais. E quanto a isso, o professor disse:
“Se você é dessensibilizado à violência, talvez não se importaria de ver alguém na rua em apuros e não a ajudaria.”
Ainda que, aparentemente, pesquisas tenham identificado evidências dessa dessensibilização em pessoas que jogam games violentos ou escutam músicas com letras violentas, a questão é diferente neste caso. E o professor volta a explicar:
“A resposta emocional dominante a esse tipo de música é prazer e empoderamento. E acredito que ouvir esse tipo de música e transformá-la em uma experiência bonita, de empoderamento, é algo incrível.”
Nick Holmes se identificou com a análise e fez a seguinte afirmação, também à BBC News:
“Muitas das músicas que eu escuto são dramáticas, tristes ou agressivas, nada muito além disso e são gêneros que me dão sensação de prazer e empoderamento.”
E sobre a letra de “Eaten“. ele completa:
“Eu não a escrevi, mas sinceramente, ficaria estarrecido se alguém que ouvisse a música sentisse desejo de ser comido por um canibal”.
Alex Webster, baixista do CANNIBAL CORPSE, certa vez, afirmou ao site “Noisecreep” de que a temática da banda não passa de entretenimento:
“Não estou dizendo que gosto da violência em si, mas acho divertido quando é retratada em cinema. Eu sou uma pessoa bastante pacífica em minha vida cotidiana, mas o tipo de entretenimento que eu e os caras da banda desfrutamos é de natureza violenta. Os filmes violentos têm bons números de bilheteria, então eu não estou sozinho em amar filmes violentos.”
Claro que para nós, fãs não só de Death Metal, mas de Rock e Heavy Metal em geral, o resultado não nos surpreende, afinal, sentir desejo de matar por prazer é algo que demonstra pura falta de caráter e esse tipo de coisa não é pré-determinado. Um jogador de GTA, por exemplo, não é necessariamente um ladrão de carros e sai por ai matando policiais e civis, bem como este redator que vos escreve não mata mulheres ao escutar CANNIBAL CORPSE, nem tampouco se tornou jogador de futebol por jogar PES ou piloto por jogar F1 e Nascar no videogame. Assim como o caro leitor não matou os colegas na escola ao escutar “Jeremy”, do PEARL JAM e nem houve suicídio em massa por causa de “Suicide Solution“, de OZZY OSBOURNE. Porém, a pesquisa é de extrema valia para aqueles que julgam o ouvinte de Heavy Metal, na maioria das vezes, de forma preconceituosa e equivocada.
Fonte: BBC NEWS