Chegamos então no segundo dia do festival recifense Abril Pro Rock, após uma semana de pausa entre o primeiro dia (ocorrido no dia 12) para o segundo, ainda ocorrendo no Baile Perfumado, localizado no bairro do Prado, zona oeste do Recife.
Esse segundo dia foi o mais peculiar entre os três do festival, que desde 2017 tem se focado 100% nos estilos mais pesados, pois sua programação foi 100% feminina, tendo as atrações, estilos distintos. Claro, também teve rock, mas o mesmo foi minoria.
Nessa noite, as atrações se apresentaram na seguinte ordem: Demonia (RN), 808 Crew + DJ Karla Gnom (PE), Arrete (PE), Sinta a Liga Crew (PB), Letrux (RJ), Coco da Umbigada (PE), Pussy Riot (RUS) e DJ Karla Gnom (PE).
Das bandas do line-up, apenas três se encaixam como rock, sendo elas a Demonia (punk rock), a Letrux e a Pussy Riot, e em relação a essas duas últimas, bem pelas beiradas, já que a Letrux (que também foi atração do Lollapalooza desse ano) é um rock mais alternativo, puxando bem mais para o indie, e a Pussy Riot, apesar de se intitularem como punk rock, elas só tiveram essa sonoridade no início da carreira, tendo atualmente um som bem mais eletrônico.
Enquanto ao resto do cast, tivemos três grupos de rap (808 Crew, Sinta A Liga Crew e Arrete), um conjunto de coco (Coco da Umbigada) e eletrônico (DJ Karla Gnom).
E por conta da maioria dessas atrações não se encaixar na proposta da Roadie Metal, farei essa resenha de forma diferente. Invés de falar de cada show específico como sempre faço, darei uma visão mais geral do que foi a noite do dia 19, toda sua ideia, como foi executada, e o resultado final.
Antes de tudo, vale deixar claro que o dia 19 (intitulado também de ‘noite das minas’) foi implementado no Abril Pro Rock desse ano por questões políticas. E isso não é palpite meu, o próprio Paulo André (criador e curador do festival) admitiu isso no release do evento.
Isso se deve porque, além de todas as atrações terem sido femininas, TODAS elas (sem exceção) tinham temática feminista, sendo essa uma clara reação contra o conservadorismo defendido pelo atual Governo Federal.
Agora para contar toda a história desse dia, comecemos pelo início.
Quando foi anunciada a edição desse ano do Abril Pro Rock, de início tinha sido divulgado que o mesmo ocorreria nos dias 12 e 20, o que já era estranho por si só pelo fato de ser em dois fins de semanas diferentes.
Além disso, já na arte do evento era explícito de que o festival esse ano teria a temática do empoderamento feminino, sem falar que uma das primeiras atrações confirmadas foi a banda paulista Eskröta, formada apenas por mulheres, que tocaria no dia 20.
Até que algumas semanas depois, chega a surpresa de que haveria um terceiro dia na edição desse ano (o dia 19), e a headliner na ocasião seria a banda russa ativista Pussy Riot, que ganharam notoriedade após serem presas por invadirem uma catedral em Moscou, e por constantemente criticarem o governo Putin.
Até aí, maravilha, teríamos três dias de Abril Pro Rock, e isso era ótimo.
Mas, não me pareceu que eles investiram nesse terceiro dia do jeito certo, porque após isso, a produção foi anunciando as atrações do festival aos poucos, tendo revelado quase todo o line-up completo dos dias 12 e 20, mas ainda sem nenhuma novidade para o dia 19, além da Pussy Riot.
Quando o cast completo do festival foi anunciado, ficou claro que o dia 19 não seria focado apenas em rock e teria apenas atrações femininas, com os grupos 808 Crew + DJ Karla Gnom, Arrete, Sinta a Liga Crew e Letrux se juntado a Pussy Riot.
Normalmente quando o cast completo é anunciado, atrações novas só são confirmadas em caso de cancelamentos, mas esse não foi o caso. Mesmo após o anúncio oficial, as bandas Demonia e Coco de Umbigada foram confirmadas para compor o line-up do dia 19, tendo depois na véspera do show, a DJ Karla Gnom (que já se apresentaria com a 808 Crew) sido escalada para fechar a “noite das minas”.
Outra coisa estranha também foi o dia 19 não ter sido incluso nos combos que o Abril Pro Rock oferece para aqueles que desejavam comprar os ingressos para mais de um dia, tendo apenas o combo para os dias 12 e 20.
Mas enfim, chegado finalmente o dia 19, veríamos o resultado disso tudo.
Logo ao chegar no Baile Perfumado já não se tinha uma boa perspectiva ao ver uma movimentação pífia no portão, faltando meia-hora para a abertura do mesmo, e infelizmente aquilo ali resumiria a movimentação da noite. Inclusive, arrisco dizer que o número de pessoas presentes no dia 19 era menor do que a do dia 12.
Ao entrar na casa outra coisa também me chamou a atenção, que era o fato de ter bem menos estandes em exposição em comparação ao dia 12, e isso pesa principalmente porque desde que o festival mudou do Classic Hall para o Baile Perfumado, o número de estandes foi reduzido drasticamente por conta da questão do espaço da casa do bairro do Prado ser bem menor.
Mas antes de dar as considerações gerais do dia 19, vamos falar rapidamente dos shows que ocorreram.
A noite começou com a banda potiguar de punk rock Demonia, que fez um ótimo show, apesar de curto. Ainda digo que a apresentação delas teria sido muito melhor aproveitada se tivesse ocorrido ou no dia 12, ou no dia 20, pois o som delas daria certinho em uma noite com atrações mais pesadas (elas depois ainda fizeram outro show da capital pernambucana no domingo, no Darkside Studio, na Boa Vista, infelizmente só fiquei sabendo do mesmo tarde demais).
Após isso, o evento teve uma sequência de apresentações de três grupos de rap, sendo eles a 808 Crew + DJ Karla Gnom (PE), Arrete (PE) e Sinta a Liga Crew (PB). Podemos dizer que a sensação era de que as três atrações podem ser resumidas em uma só, porque todas eram o do mesmo estilo de música e com as letras abordando as mesmas temáticas. A única coisa de mais diferente que da pra destacar nessas três apresentações, foi a participação da cantora de brega/funk Rayssa Dias no show da 808 Crew.
Depois da sequência de rap, tivemos o ponto alto da noite que foi o show da Letrux (RJ), que proporcionou o melhor show do dia, sendo esse praticamente o único momento onde o público demonstrou toda a sua energia. Olha que eu nem curto muito o estilo de música que ela toca, mas tenho toda consciência de que ela da um show em todos os sentidos em cima do palco (não é a toa que tocou no Lollapalooza). Destaco também a desenvoltura do baterista, mesmo em um estilo que não exige tanto.
No palco secundário, tivemos a apresentação do Coco da Umbigada, que fez um show onde o ativismo se destacou mais do que a própria música. Beth de Oxum, líder do grupo, aproveitou o curto tempo que tiveram para falar em favor das mulheres, negros, pobres e indígenas, criticar o presidente Bolsonaro, e principalmente as grandes rádios por não tocarem os ritmos populares do estado em sua programação. A música acabou servindo mais como pano de fundo para os seus recados. Outra coisa que destaco é o fato desse ser o primeiro grupo de coco que eu vejo utilizarem guitarra e baixo na sua composição.
Finalmente chegamos no show da Pussy Riot, a atração que prometia dar o que falar. Até deu, mas não no melhor sentido.
Sempre considerei a Pussy Riot muito mais como um movimento do que como uma banda, sendo a música apenas um pretexto para propagar suas mensagens. Não nego a sua importância como movimento feminista, principalmente diante de um governo conservador como o de Vladmir Putin, mas musicalmente elas não empolgam, e a prova disso é que o Baile Perfumado foi se esvaziando aos poucos durante a apresentação delas.
No fim, a DJ Karla Gnom, que já havia se apresentado com a 808 Crew, encerrou a noite com muita música eletrônica para os poucos gatos pingados que ainda tinham alguma energia sobrando da maratona de shows da noite.
Mas agora finalmente dando as considerações gerais da “noite das minas” no Abril Pro Rock:
Foi uma noite onde a militância ficou acima da música, e isso claramente era a intenção do festival desde o início. A frase que mais se ouviu durante toda a noite foi “Quem mandou matar Marielle?”, literalmente todas as atrações cobraram respostas para o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro.
Aliás, não apenas as atrações cobraram isso, como também a Mônica Benício, viúva de Marielle, que apareceu nos shows da Letrux e da Pussy Riot para discursar em favor da companheira assassinada. E claro, não faltaram também “palavras carinhosas” para o presidente Bolsonaro.
O recado foi dado por todas as atrações, mas o que faltou para que o Baile Perfumado ficasse cheio naquela noite?
Bom, para mim, a produção acabou não investindo nesse dia como deveria ter feito pelas razões já ditas mais acima, mas talvez as atrações também tenham pesado para isso, porque musicalmente falando, a “noite das minas” ficou equivalente ao antigo dia alternativo que ocorria todos os anos no festival até 2016, que foi extinto posteriormente justamente por não estar dando muito público.
E por isso, desde então a produção tem investido nos estilos mais pesados nos dois dias do evento justamente porque o público do metal é o mais fiel ao festival, talvez isso devesse ter sido feito também nessa “noite das minas”, que para mim foi uma ideia bastante válida, principalmente por conta da temática da edição desse ano.
E tenham certeza, se essa noite das minas tivesse sido feita só com bandas de metal lideradas por mulheres, com certeza teria dado público, ainda mais indo pelo fato de que a maioria das pessoas que vão ao Abril Pro Rock defendem a ideologia feminista (inclusive, tenho em mente um cast perfeito de bandas de metal para uma ocasião do tipo).
Mas de qualquer forma, como dizem por ai, o que vale é a intenção. A ideia foi justa e válida, mas é uma pena que não tenha dado tão certo assim.